sábado, 17 de novembro de 2018

Minha Estante - Mistborn - O Império Final

Vira e mexe eu leio algum livro que sinto que merece uma resenha. Na verdade, no caso deste aqui, eu tive que ler o segundo pra criar vergonha na cara e escrever sobre. Não é novo, foi lançado pela LeYa no Brasil em 2014, mas só este ano eu consegui devorar suas 600 páginas. E, meus amigos... acompanhem-me no resultado dessa degustação.


Eu tenho um problema com o senhor Brandon Sanderson. Quando comecei a ler este livro, ganho pela Amazon Kindle, eu o abandonei duas vezes até resolver que queria ver mais. Os primeiros capítulos me soaram maçantes, com um protagonista que não me convencia e um mundo que não me cativava. Mas, ah... como eu estava enganado sobre quanto gostaria de Kelsier, Vin e do resto da gangue...

Em resumo, o Império Final da Série Mistborn é uma Terra Média com esteroides e tecnologia, ainda que arcaica. Nós temos um Domínio Central controlado pelo Senhor Soberano, imperador E Deus deste mundo, e dezenas de nobres controlando o povo oprimido, aqui chamado de Skaa. Para manter seus nobres na linha, o Senhor Soberano (Lord Ruler em inglês, uma tradução fantástica) utiliza de obrigadores, servos leais a ele que detém um poder religioso através do Ministério do Aço. Se a vida de escravidão não fosse o suficiente, o Senhor Soberano é um ditador milenar que sufocou qualquer outro tipo de crença que não a em si e tornou os Skaa completamente devotos e temerosos, protegendo-os das brumas que aparecem ao anoitecer. Neste mundo preso a ferro, surge Kelsier, um Nascido das Brumas, dotado de poderes e de um plano mirabolante para derrubar o Senhor Soberano e libertar o povo.

Kelsier usando poderes alomânticos para derrotar um Inquisidor
De fato, Império Final começa sem dar muitos detalhes do que iremos encontrar, apresentando vários termos de uma vez só (skaa, obrigadores, inquisidores, etc.) e nos fazendo boiar no que está acontecendo, mas assim que lemos o encontro de Kelsier e Dockson, amigo de anos, percebemos que estamos diante de um Onze Homens e um Segredo ainda mais fantasioso. De fato, a conversa entre Kel e Dock na ponte me remeteu ao encontro de Danny (George Clooney, daddy!) e Rusty (Brad Pitt) para discutir o assalto do século. Nomes são citados em sequência e eu nem fazia ideia que acabaria gostando de todos eles. Mas estou me adiantando.

No outro ponto da trama temos Vin, uma garota que teve uma vida bem sofrida e hoje trabalha na gangue de ladrões do Camon, um trapaceiro de meia tigela que tem intenção de roubar do Ministério do Aço, o que é, claramente, uma péssima ideia. Durante o plano os caminhos de Kelsier e Vin se cruzam e a trama começa a funcionar. Kelsier salva o grupo de Camon de um Inquisidor do Aço e de quebra toma conta do local, assumindo Vin como sua protegida, para surpresa e desconfiança dela, e logo surgem os outros membros da gangue. Hammond, o brutamontes; Brisa, um abrandador; Trevo, esfumaçador; e Yeden, líder dos revoltosos, com quem Kelsier faz um pacto para executar seu plano.

Vin na estonteante arte de Alex Allen
A partir daí o livro fica maravilhoso, com longas explicações sobre a Alomancia, o truque com metais que dá poderes ao pessoal da gangue e principalmente a Kelsier... e Vin, que se torna sua aprendiz. Vamos aos poucos entendendo melhor como funciona o Império Final do Senhor Soberano, os poderes alomânticos e os segredos desse mundo que tem tanto a explorar. E Brandon nunca entrega, nem aos personagens, nem a nós todos os mistérios. Vamos descobrindo, juntos, o que levou um homem a se tornar Deus e destruir para reconstruir o mundo ao seu bel prazer. Claro, Brandon dá dicas com trechos da “biografia” do Senhor Soberano que coloca no começo de cada capítulo, mas como vim a descobrir até o fim do segundo volume, muitas vezes esses trechos escondem mais que revelam.

Agora, pontos fortes da obra: personagens cativantes. Não só Kelsier e Vin, reais protagonistas da série, mas Docks, Ham, Brisa, Trevo, Yeden, Fantasma, Sazed, até mesmo Elend... todos vão se mostrando interessantes e divertidos de acompanhar. Em Mistborn a narração não se trava em um personagem só e ás vezes acabamos seguindo por cima do ombro de algum dos outros, o que faz que possamos entender melhor como certos eventos ocorrem. Outro ponto forte: trama política bem desenvolvida. Diferente de outras obras fantasiosas, em Mistborn a política é quase palpável, parte do plano de Kelsier inclusive depende das reações esperadas dos nobres. Quando Vin é colocada para lidar com eles, vemos a riqueza da construção de mundo de Sanderson.

Último ponto forte é como os detalhes são descritos, sem se tornar enfadonho, e nos permitindo visualizar o cenário e personagens. Em minha mente eu imaginava a movimentação dos brumosos, as batalhas de Kelsier, os locais da cidade que tem um estilo entre a Idade Média e o Vitoriano. Daria um bom material para RPG, aliás.

Arte das três capas da série: O Império Final, Poço da Ascensão e O Herói das Eras
Agora, nem tudo é bom em Mistborn. Pelo menos duas coisas me incomodaram sumariamente, e as duas envolvem Vin. Vejam bem, eu adoro romance, e torço muito pela união de personagens queridos. Mas a atração dela pelo seu par é tão... óbvia, que parece destoar do resto. Aliás, dentro do livro todo ela fica flutuante, como um detalhe que só atrapalha até perto da conclusão quando se justifica, mesmo que fracamente. E quando acontece, fica o gosto amargo do “Ah tá”, tirando a graça da situação. Acredito que a obra inteira poderia passar sem ela, mesmo já tendo lido o segundo livro.

A outra é quanto ao teste de Bechdel, e essa me irrita. Vin é uma personagem interessante, toda sua trajetória no primeiro livro, se descobrindo e aprendendo a confiar, a torna não somente querida, mas admirada. É lindo ver seu crescimento e como ela deixa de pensar no que poderia feri-la e passa a reconhecer as coisas que gosta. Só que, tirando a parte boa, do aprendizado e da liberação de traumas, ela acaba sendo construída cercada de homens e com um modelo bem patriarcal. Eu lembro de apenas DUAS personagens com quem ela conversa no primeiro livro e nenhuma delas se torna uma conexão realmente importante. Aliás, simplesmente não há diálogo dela com outras garotas de forma confortável criando relação de amizade. Mas há toda a gangue da qual ela é a única garota. Entenderam?

Apesar dos pesares, Império Final me deixou curioso sobre Poço da Ascensão, do qual falarei em breve. Não recomendo para todos, mas sugiro a leitura para quem quiser um universo interessante. Eu gostei da história, e tenho interesse de completar com Herói das Eras, mas sempre com um pé atrás. Talvez, só talvez, como Martin, Rowling e outros autores, Sanderson tenha aprendido um pouco com a sua trajetória e corrigido seus erros. Assim espero.

Nota 8/10
Pontos fortes: Personagens cativantes, universo interessante, trama envolvente.
Pontos fracos: Má construção de personagens femininas, demora a engrenar, solução fácil para alguns problemas.

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