segunda-feira, 25 de março de 2013

Mudez Compromissada

Eu devo admitir que adoro surpresas, principalmente quando consigo ser eu a surpreender, positivamente, os outros. O conto de hoje, quentinho, recém-saído da minha mente, foi preparado como um pequeno presente pra minha noiva, Ann, e sua mais nova criação, uma sacerdotisa morta-viva com o simpático nome de Celly Burton. Bom, espero que aproveitem essa minha incursão por Azeroth, foi muito legal de fazer e espero voltar pra lá e contar mais histórias de seus heróis.

Celly Burton

A sala estava tão escura que fosse uma semana antes, Celly seria incapaz de ver um palmo a frente do nariz, mas agora isso não era mais um problema. Os dedos esqueléticos batiam a pena na folha à frente, e poderia jurar que um deles estava prestes a cair, o que seria motivo de asco para Célia, mas não para Celly. Agora era natural, parte de sua existência, e mesmo a carne morta com o fedor era habitual para a sacerdotisa. O entrevistador continuava a olhar para a folha há dez minutos, sem nada dizer e a falta de órbitas impedia de saber se ele havia dormido ou não.
- Celly... Sobrenome? – disse, assustando a garota.
Ela pensou nos vários homens e mulheres que havia tratado nas fileiras da Aliança, lembrava de cada nome, de cada rosto, pensou em um rapaz que achara bonito e que havia morrido meses depois, deixado no campo de batalha, assim como ela. Tivesse seguido seus instintos e não sua honra, sua devoção, estaria agora casada, talvez não viúva. Guardaria o nome para sempre, para nunca esquecer o mal que lhe fizeram.
Escreveu o nome em um papel e estendeu para o oficial, que levantou o que restava de uma sobrancelha, encarando a boca costurada de Celly. Havia pouco fizera um juramento, um que carregaria pelo resto da vida marcado na carne, de que não voltaria a pronunciar palavra alguma, e principalmente clamar pelos deuses antigos. Servia agora a uma nova causa, uma nova vida, se é que poderia ser chamada assim. O oficial baixou os olhos e preencheu alguma coisa em sua papelada.
- Sendo assim, será muito difícil tirar de você a história de como chegou até aqui... Vejo, na sua carta de recomendação, que sua Valkyria foi Artura... Ela não fica na região de Pinhaprata? O que você estava fazendo por lá antes de ser morta?
Celly respondeu com um olhar feio, lembrando a ele de que perguntas seriam estupidez, mas sua mente já corria para alguns dias antes, quando ainda servia ao exército do Rei Varian e sua fé era na santidade dos homens, e de como todos os mortos-vivos eram a pior face da Horda, a escória que um dia fora humana e corrompera-se pela imortalidade. Ingressara muito cedo na Igreja de Ventobravo e seguira os soldados da capital pelas incursões para o sul. Quando um grupo se reuniu para desbravar o norte logo foi escalada dada sua devoção e habilidade. Partiu em um navio, contornando os Reinos do Leste e desceu em Eira dos Montes, onde, com uma unidade menor, partiu em patrulha. Seria sua última vez ao lado dos homens que julgava tão corretos e justos.
A batalha não durou muito. Eram apenas vinte diante de cinquenta, e não tão treinados em regiões como aquela, dominada pela praga. Viu homens bravos caírem e os medrosos correrem, mas viu principalmente seu capitão, o mesmo do discurso de “Nenhum de nós fica para trás”, vê-la cair, ferida pela espada de guerreiros mortos-vivos, e não mover um dedo para ajuda-la. Acreditava piamente que poderia ter sobrevivido, que teria, como seu capitão, retornado para a proteção do exército, e então não teria sido enterrada em uma vala comum, ainda viva e pedindo ajuda aos deuses. Ninguém respondeu.
A Valkyria veio depois, quando a escuridão já havia encoberto seus olhos, e a luz de suas asas prateadas lhe trouxe de volta à vida. Seu corpo começara a se decompor, mas salvara a maior parte do seu rosto. Ela lhe prometeu lugar entre os Renegados e uma nova vida, muito mais proveitosa, em serviço da grande dama Sylvana. Com uma linha de costura selou para sempre sua voz, que talvez não fosse como lembrava, e prometeu a si mesma que nunca a escutaria, para lembrar sempre do que perdera aquele dia e o que ganhara.
- Eu falei com você, recruta! Onde está com a cabeça?
A voz ruidosa do oficial a trouxe para o presente e Celly se sobressaltou. Faíscas de mana surgiram da ponta de seu cajado, fazendo com que o soldado se afastasse e por um minuto Celly achou que não seria só descartada, como seria permanentemente. Ao contrário, o recrutador sorriu e fez mais algumas anotações. Era algo horrendo e Celly desconfiou que levasse um tempo pra que aquilo se tornasse tão natural quanto a queda de dedos. Enfim, o soldado fez um sinal para que uma banshee, vestida em um traje lilás com o símbolo de Cidade Baixa, se aproximasse.
- Aelthalyste, esta é mais uma das suas, treine-a bem e deixe pronta para que ela possa voltar a Pinhaprata. Não sei bem o que aconteceu com ela lá, mas tenho a impressão de que ela tenha negócios pendentes. E faça-me o favor de não rogar outra praga!
A criatura lançou um olhar tenebroso para Celly, mas ela percebeu que havia um pequeno sorriso malicioso nos lábios fechados do espírito. Sentiu empatia, pois ambas não podiam abrir suas bocas, ela pela promessa e a banshee por questões de preservação, já que seus gritos seriam capazes de ferir até mesmo os mortos-vivos. Seguiu a banshee pelos corredores da Cidade, avistando aqui e ali criaturas estranhas aos esgotos, como Orcs, Goblins e principalmente Elfos Sangrentos. Lembrou rapidamente que a própria Grande Dama havia sido uma elfa em sua outra vida e percebeu que certos laços seriam impossíveis de quebrar.
Mas ela havia feito uma promessa para si mesma, de que lutaria contra aquilo que a havia destruído, uma herança tenebrosa de uma vida de enganação. Havia novos aliados e a Horda a recebera de braços abertos para aquela batalha, então não os decepcionaria. De cabeça erguida entrou com a banshee em uma sala comunal, onde outros sacerdotes, de diversas raças, a aguardavam para ensina-la os ritos de sua nova família.

sábado, 23 de março de 2013

Dos Sete

Finalzinho de noite de sábado, preparando-se para começar o domingo, um conto curto, uma pequena história de destinos cruzados, uma mulher poderosa e homens caindo aos seus encantos. Particularmente, é muito bom ter essas incursões por roteiros simples, trechos de uma história maior. Espero que aproveitem!

Sete Homens e uma Mulher Fatal


Soube de pronto que haveria uma explosão. A troca de olhares, o estalo da língua, o relaxar de ombros e a tensão dos pulsos, a respirada mais funda e o movimento rápido dos dedos. As balas atravessaram a sala em uma chuva fatal, cobrindo cada metro quadrado, cada brecha disponível. Caíram alguns corpos, outros se esconderam, estressados e já encharcados de suor. O som terrível foi procedido por um silêncio macabro. Nem mesmo a mosca voava, com medo de acabar presa em uma bala errante. A respiração dos sete homens era a única mudança no ambiente, praticamente estático.
O bruto recarregou a gigantesca arma, cujas balas já haviam coberto toda a parede dos banheiros, transformando em queijo suíço as portas agora derrubadas. O oriental checava as duas pistolas para ver se haviam balas suficientes para os seis homens, certo de que o número exato deveria ser meia dúzia, sem chances para erros. O de porte feminino lambia os lábios, saboreando o prazer de um combate tão difícil, enquanto alisava o cano de sua Winchester. O padre orava, pedindo que as únicas balas de sua Colt fizessem seu trabalho e expulsassem aqueles demônios da face da Terra. O mercenário amaldiçoou o baixo preço que pediu pelas cabeças dos outros homens e pegou uma faca de arremesso, caso fosse preciso. O escravo olhou para seus grilhões, olhou para a mesa que lhe protegia e para sua pequena arma, “há balas suficientes? Morrerei aqui longe de casa?”. O ex-agente do serviço secreto pensou mais uma vez em que porquê decidira fazer aquele favor e em como era azarado por ter pego a única arma que tinha apenas seis balas. A bruxa apenas riu.
Ao mesmo tempo os homens se levantaram, dispostos a matarem uns aos outros. Seus tiros soaram como um terremoto, estremecendo as estruturas da casa. Seus gritos foram ensurdecidos pelos trovões e seus olhos encheram-se de raiva, ódio, pena, lágrimas, medo, saudade, covardia e luxúria, respectivamente. Nenhum ferimento foi mortal, nem um acerto foi capaz de eliminar a concorrência. No meio deles, a contratante ria, em sonoras gargalhadas, e esbaldava-se com a testosterona e fúria liberadas. Olhando em volta, os rostos dos sete homens ofegantes lhe rendiam divertimento. Era saboroso como eles, confusos e perdidos, se digladiavam.
A existência dela não passou despercebida pelo padre, o que também atraiu o olhar do alerta oriental e do experiente mercenário. O escravo e o ex-agente, amedrontados, a perceberam flutuando sobre uma mesa, a única ainda em pé. O esguio não a notou, não pelo mesmo motivo que os outros, assim como o bruto a ignorava, enquanto procurava por qualquer resto de munição. E a bruxa ainda ria.
De repente não havia mais guerra, não havia mais briga, somente os olhares indignados. Revoltado, o brutamontes urrou, disposto a cair no braço, e então a percebeu lá, sozinha no meio deles, nua em pelo não fosse a capa roxa caída pelas costas e as botas de Peter Pan. Ela estava quase rolando de rir no ar e eles se entreolharam, finalmente descobrindo a armadilha em que se meteram.
- Ei! Você! O que diabos está acontecendo aqui? – berrou o mercenário, apontando para a bela cabeça ruiva sua faca de arremesso, única arma restante.
- Es um demônio, mulher dos cabelos de fogo? – perguntou o padre, incerto de quem seriam seus inimigos abissais.
Os outros também expressaram sua indignação, ainda que com sons mais excêntricos como o grunhido do bruto ou o muxoxo do afeminado. O ex-agente se pegou analisando suas belas pernas e o oriental perdeu a concentração por um minuto em sua comissão de frente. A bruxa se pôs de pé, ainda que estivesse a meio metro do chão, e estalou os dedos. Todos se calaram, mesmo contra sua vontade. Ela andou alguns passos, baixando centímetros até estar de frente ao padre, e puxou seus cabelos louros para trás, fazendo-o ficar próximo de seu ventre. Ele suava, tenso por muitos motivos, ainda que alguns ele nunca vá admitir.
- Sim, meu bem, eu sou um demônio, um lindo demônio que veio coletar suas almas. – ela sussurrou, mas sua voz soou tão alta que todos puderam ouvir.
Ela aproximou seus lábios dos do religioso e uma estranha troca de energias ocorreu, fazendo-o cair de joelhos. Ela fez o mesmo com todos os outros, aproveitando para passar a mão em seus corpos e causando arrepios. Assim que terminou, bateu palmas e todos ficaram de pé mais uma vez. Runas púrpura surgiram em seus peitos e seus olhos pareceram um pouco mais vagos. Ela os chamou, caminhando para a porta que abriu com um balançar da mão direita. E então surgiu a imensa lua avermelhada, a lua das bruxas, a lua das trevas. Olhando para ela, a bruxa riu mais alto, sua risada diabólica sendo seguida pelas deles. Sete homens fadados a segui-la em suas batalhas, sete homens presos de corpo, alma e destino, sete escolhidos de setenta e sete. Os melhores dos melhores, só pra ela, a bruxa rubra.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Na Madrugada

Ás vezes eu simplesmente paro, fico diante do PC ou notebook, e começo a digitar uma frase, um parágrafo, um refrão, sai uma música ou uma poesia... E esta que trago hoje foi bolada em um passado não muito distante, em um momento que fiquei sozinho na sala de um apartamento em Jurerê e me peguei pensando na vida... É, eu sei, parece bobeira, mas o resultado foi tão legal que salvei. Aqui está então...

Fora de Compasso

Penso, descompasso, insignificante tentação
Cai a roda do mundo, insistente rotação
Crime isolado, carente mutação
Todos os três em importante reunião
Só sua vida descompromissada
Se joga na ciranda
Vira, roda, muda
Mas não fica muda
Fala, cala, consente
Dobra em si, descontente
Vaia do cego perdida no espaço
Rouba a cena fugindo do passo
Lava a cara culpada do palhaço
Manda tudo voando pro buraco
Volta a si, caindo aos pedaços
Joga na terra o seu embaraço
Voltemos então ao nosso compasso
Se joga na ciranda
Vira, roda, muda
Não seja completamente burra
Haja, ria, contente
Volte a si, sorridente
Temos tanto para perder
Eu, tu, eles, você
Devo, não nego, pago quando tiver
Mas não minto por querer
Sou quem sou, não poderia ser ninguém
Roubo a cena pra fugir de alguém
Mato todos por outrém
Volto a mim, sem porém
Me jogo na ciranda,
Viro, rodo, mudo
Sou isso tudo
Faço, cresço, apareço
Volto a mim, infelizmente
Penso, descompasso, infinita inspiração

quarta-feira, 20 de março de 2013

Boom

Voltando para a segunda semana, e novamente com um conto. Assim como o anterior, este foi feito que meio sob encomenda, para agradar alguém com personagens que eu estava desenvolvendo na época. O resultado foi um dos meus contos favoritos, com uma situação que gostaria de continuar algum dia em uma história maior. Mas por agora, fiquem com a alquimia que ocorre entre dois magos de péssimo temperamento.



Química Explosiva

Rolar química não é uma boa desculpa para relacionamentos. Entre Jonas e Vicky, por exemplo, sempre rolou química, e das mais explosivas. No primeiro encontro deles, o mecânico aqueceu um motor, enquanto ela fez esfriar o capô do carro até o pedaço de metal ser lançado pra fora. Na segunda vez, atiraram tanta coisa um em cima do outro que causaram combustão espontânea no meio do laboratório. Na terceira, foram parar em outra dimensão pela explosão de uma das salas de ritual. Logo, eram claramente o casal favorito das discussões no Torre de Merlin, o bar sensação da região norte. Ocasionalmente, quando apareciam no mesmo dia, era motivo para os amigos em comum planejarem os truques habituais. E não por menos, já que, entre trancos e barrancos, quando não tentavam se matar, conseguiam trocar certos flertes.
Na noite em questão, por exemplo, Jonas chegara bem cedo, para comemorar com Harlok sua conquista, um orbe que ele demorara meses para transformar em realidade, e que aparentemente seria capaz de modificar o campo da mágica quântica. O artefato, aliás, estava sobre a mesa do quarteto, depositado em uma almofada esverdeada e parecia não muito maior que uma bola de sinuca e um pouco mais inocente que um travesseiro de penas. Haviam bebido o terceiro drinque quando Victória Bridges entrou acompanhada da fiel escudeira Monike, vestindo o corpete mais obsceno que o grupo do Torre já havia visto, pelo menos em uma mulher do nível de Vicky. Suas curvas, geralmente escondidas por roupas largas, estavam completamente expostas naquele pedaço de couro vermelho-sangue apertado. Por um segundo, enquanto não reconheceu a mulher com quem sempre brigava, Jonas se permitiu secá-la como as fórmulas que tentava memorizar desde que roubara um livro de outro rival. Aí Harlok deu-lhe uma cotovelada, sussurrou um nome e o mago quase cuspiu a bebida que tomava.
Vicky passou pela mesa deles, ignorando os olhares de lobos famintos e sentou-se um pouco mais perto do balcão em que Archimedes, dono do bar, servia os clientes. Monike, por sua vez, não pode deixar de acenar para o magnífico Mikos, o famoso mago que adquirira o poder de mudar sua face para aquilo que as mulheres ao redor achassem mais atraentes. Assim que se sentou com Vicky foi repreendida, claro, mas até mesmo a fria maga, que nesta noite estava mais quente que um caldeirão aceso, teve que admitir que Mikos, talvez pela mágica, talvez não, tornara-se extremamente bonito nos trajes de gala que escohera. Sorrindo disfarçadamente, as amigas pediram os soft drinks de sempre e esperaram por qualquer coisa. O que, aliás, aconteceu.
Encorajado pela presença de mulheres, Eric, o mais baderneiro dos quatro, pediu os chopps que indicavam uma caçada. Harlok e Jonas olharam para ele, incrédulos, mas Mikos o apoiou confiante, praticamente esperançoso de que teria Monike para si. Incapazes de dialogar com o ego da dupla, desistiram, aceitando o forte preparado irlandês que o garçom McGuinness criara. Por dentro, Jonas até ansiava pela falha dos dois, para talvez ter uma brecha com Vicky. Naquelas roupas, com aquele sorriso nada corriqueiro, o perfume que talvez só ele tivesse sentido, a mulher que o infernizava dia sim e dia também se tornara o seu Graal. Parecia um encantamento raríssimo, pelo qual arriscaria tudo que já conquistara, somente para tê-lo, por um segundo que fosse, e apreciar a beleza do seu desenvolvimento.
Quando a sobriedade saiu do bar dando tchau a todos os presentes, Eric tentou a sorte, seguido por Mikos. Os dois levantaram da mesa que estavam, pediram sorte aos amigos e se lançaram para as pretensas presas da noite. Em segredo, Harlok fez uma aposta com Jonas que dobrou o valor ao ver o olhar assassino de Vicky. A loira, com o piercing brilhando dourado na boca vermelha, abriu um sorriso felino, aceitando a presença do inglês presunçoso ao seu lado, enquanto Monike se continha para não agarrar Mikos, que claramente exagerava na sua habilidade. O bar silenciou por alguns instantes com o olhar confuso do mago tecnopata. Compreendia muito bem máquinas, principalmente os seus carros, mas seria incapaz de determinar que tipo de plano maquiavélico a maga adoradora de animais tinha para Eric.
Através de um truque mágico simples, Harlok começou a ouvir a conversa a boca pequena dos casais na outra mesa.
- Então, Mikos... Eu soube que os gregos são...
- Hum, pequena, pode ser que sim, pode ser que não, por que não saímos para a MINHA torre e não descobrimos?
- Pelo jeito, as coisas estão esquentando com a sua amiga e Mikos... Por que nós não...
- Nem pense nisso, fã de Oliver Twist, ou eu arranco essa sua mão safada da minha perna com uma bola de fogo.
- Ah, mas por que... Você parecia tão a fim ainda há pou...
- Eu avisei.
Jonas foi mais rápido que Harlok e por isso não levou um inglês voador na cara. A mesa deles quebrou com o lançamento do mago abusado e o orbe foi ao chão. O mecânico manipulador de metais se levantou, irado, e já partiu pra cima de Vicky.
- Então é assim, faz de tudo só pra sacanear a festa dos outros, não, é?
- Claro! Tinha que ser o brutamonte viciado em computadores. Deixe-me adivinhar, é tudo uma brincadeira de vocês quatro só porque eu e Monike decidimos aproveitar uma noite em paz, estou certa?
Na verdade, os dois berravam ao mesmo tempo, assim que haviam levantado de suas mesas, e não ouviam o que o outro dizia. A volta deles, o mundo parara, enquanto evocavam feitiços de seus grimórios, que faziam a terra abrir sob seus pés ou retorcer a mesa sobre eles. E o orbe rolava pelo assoalho já danificado do Torre.
- Escuta aqui, ô mulher demônio... Acha divertido fazer o Eric de idiota só pra estragar a nossa noite?
- Na verdade, ela não... - protestava Eric, se reerguendo, mas foi plenamente deixado de lado.
- Típico de homens! Ele se assanha pra mim passa a mão na minha perna e eu que sou a vilã!
- Bom, Vicky, você veio pro bar para... - tentou dizer Monike, sendo interrompida pelo beijo intenso de Mikos.
- Se veste como uma vagabunda e ainda reclama? - berrou Jonas e se arrependeu assim que as palavras saíram de sua boca.
- O que você disse? - a voz saiu mais gélida do que Vicky esperava a raiva vazando pelos poros. Nas mãos, a bola de fogo começou a se formar.
- Não era bem o que eu queria...
- REPITA ISSO, PORCO CHAUVINISTA, SE TIVER CORAGEM! Logo você que DORME com um fusca!
Aquilo foi a gota d'água para Jonas. Poderiam falar o que quisessem, mas que não insinuassem NADA sobre seus carros. Suas mãos esfriaram instantaneamente e pequenos cristais de gelo apareceram em seus cabelos e barba. Harlok previu o pior. O orbe estava exatamente no caminho dos dois.
Como sempre, a explosão veio em seguida. Fogo e gelo se confrontaram, derrotando-se mutuamente e a energia que escapava roçou de leve no orbe, o suficiente para ativá-lo e criar a reação em cadeia que Harlok não queria que acontecesse até mostrar pro comitê como seu orbe recondutor era capaz de recriar qualquer energia que absorvesse, por quantas vezes tivesse potencial. Inerte desde a criação havia MUITO potencial acumulado. O Torre se desfez em uma imensa cratera que seria impossível de explicar aos vizinhos. Archimedes calculou o seguro secular, imaginando se cobriria clientes psicopatas e decidiu que talvez precisasse mudar de ramo. Harlok rastejava procurando pelo orbe, ou o que quer que tenha sobrado dele. Monike e Mikos utilizaram um pergaminho de fuga para ir se divertir no famoso loft do grego, que ele chamava de Monte Olimpo. Eric saíra de fininho, sabendo que no fim era tudo culpa dele e que seria melhor sumir por uns tempos, tirar umas férias, quem sabe visitar o Brasil. Já Jonas e Vicky, eles estavam no epicentro do desastre e praticamente foram teleportados para dentro da casa ao lado, tendo atravessado duas paredes bem sólidas. Não fosse o escudo, uma das muitas especialidades de Vicky, estariam em pedaços menores que os estilhaços das garrafas de McGuinness. Caído sobre a maga, Jonas pensou por um momento em como ela estava maravilhosa, mesmo com as roupas em frangalhos. Ela também admirou o olhar sério, empredado, do homem sobre si e cedeu à tentação. Agarraram-se por longos minutos, aproveitando a distração dos donos da casa com a nova piscina ao lado.
Soltaram-se sorrindo, cúmplices, sabendo a enorme besteira que haviam feito e que teriam muitas contas a pagar.
- Admita, Briggs, você estava louco por mim desde que entrei por aquela... É, porta.
- Ok, você estava muito bonita, mas... Precisava daquele exagero todo? Não poderia aceitar uma vez um convite e sentar na mesa com a gente?
- Ora, e qual graça teria?
Os encontros dos dois são sempre assim, envolvidos com explosões.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Duas garotas e um pobre fantasma

Cumprindo minha cota semanal, aqui está meu primeiro conto revelado. Este aqui foi feito "sob encomenda" pelas lindas Ann (minha noiva) e Ari (minha pequena aprendiz), para que eu colocasse elas em uma aventurazinha que eu pudesse bolar. Bom... Este foi o resultado! Espero que apreciem.

O Mistério do Casarão


A porta abriu, rangendo, e os passos ecoaram pela casa, evidenciando o abandono de tantos anos. As camadas de poeira causaram espirros na invasora e sua companheira se perguntou se era mesmo uma boa ideia aquela incursão. Claramente não haveria muito o que explorar na sala de entrada, os móveis cobertos por lençóis que outrora foram brancos, estátuas cobertas de pó acinzentado, o chão irreconhecível de tanta sujeira. Lentamente as duas amigas caminharam, ligando a lanterna para poder ver os detalhes em cada canto.
Assim que entraram, uma fria rajada de vento levantou grãos de terra e janelas bateram, uma porta fechou violentamente e um lustre gemeu em sua armação de ferro antigo. A garota de longos cabelos castanho-dourados e óculos saltou de susto, enquanto sua pequena amiga de cabelos negros sufocou um riso. Ainda que estivesse preocupada, o pulo repentino fora o suficiente para quebrar o gelo, e as duas acabaram deixando escapar curtos ataques de riso. Mais leves depois disso, ingressaram no grande salão de festas e acabaram espantadas.
Dado o estado do resto da casa, foi extremamente assustador encontrar o cômodo arrumado, como se estivesse sendo usado frequentemente. Selina estancou e Elisabeth quase esbarrou nela. Cada mesa estava em seu devido lugar, as cortinas abertas seguradas por largas faixas de cetim, o chão ladrilhado perfeitamente limpo, os lustres brilhantes, as tapeçarias de várias nacionalidades dispostas pelas paredes.  Faltou ar às duas amigas, que perderam a noção de quanto tempo ficaram encarando aquele ambiente destacado de todo o resto, imune à passagem dos anos.
Aos poucos Selina passou a caminhar por entre as mesas, tocando-as para ver se não desapareceriam, tamanha era sua descrença. Elisabeth a acompanhava, estralando a língua, seu objetivo ainda não era naquela sala. Elas haviam combinado uma aventura e aquilo, por mais surpreendente que fosse, não era bem o que ela esperava. Ao chegarem ao centro, perto de onde estava o lustre, quando a luz apagou, quase completamente. Uma música lúgubre começou a tocar e uma pequena luminescência, do tamanho de uma bola de beisebol, flutuava perto delas. Uma risada suave arrepiou os pelos da nuca de Selina e Elisabeth podia jurar que ouviu passos passando por ela.
- Liz? Você ainda está aí? – perguntou Selina e dando dois passos para trás, sentiu que encostava em alguém, mas com certeza não era sua amiga.
As luzes piscaram rapidamente e Elisabeth pode ver o estranho homem que encostava as mãos nos ombros de Selina. Era alto, tinha a pele mais branca do que a sua, os cabelos pretos presos em um antiquado rabo de cavalo e as roupas eram tão antigas quanto. Pensou em gritar, chamar a atenção, mas o barulho que soou em seguida acabou fazendo com que parasse no meio do caminho. As luzes voltaram e Selina havia sumido. Elisabeth olhou em volta, assustada, procurando pela amiga, e nenhum sinal dela.
- Lina? LINA?
Nada, apenas o silêncio da solidão e do salão que, de repente, não estava mais arrumado. Os mesmos lençóis sujos cobriam agora as mesas, exatamente como em todos os outros cômodos, e as paredes estavam descascadas. A luz era fraca, e faltavam algumas lâmpadas ao lustre, deixando o local ainda mais macabro. Um movimento despertou a atenção de Elisabeth, que viu o estranho homem andando em sua direção, mesmo que ele não estivesse ali um minuto antes.
- Minha amiga! Onde está Selina? – gritou ela, demonstrando preocupação.
- Acalme-se, minha querida, por agora sua amiga não importa. – ele respondeu e sua voz era profunda, ainda que transparecesse imaturidade. – Meus sinceros cumprimentos, donzela, você é bem vinda nesta mansão.
Havia algo de muito bizarro na forma como ele andava, algo que destoava na visão da mulher, que lhe causava uma espécie de náusea, que não conseguia identificar. Ele trajava um manto escuro, em tons de azul, sobre uma camisa branca dos tempos napoleônicos e uma calça justa também escura, praticamente preta. Botas de cano alto com detalhes em prata e uma fita de veludo prendendo os cabelos fechavam o traje que estava deslocado no tempo, como se fosse um homem de séculos antes. Andava devagar, passos muito lentos e seu corpo parecia balançar, em uma dança sem música e sem compasso, um pêndulo humano.
Só quando ele chegou muito perto é que ela percebeu que ele não estava pisando no chão. Seus pés flutuavam a quase vinte centímetros do chão e ele balançava por seguir pequenas correntes de ar, deixando uma presença fantasmagórica no ambiente. Ele percebeu o olhar dela e fez um gesto afetado, representando alguém que foi pego no flagra, mal segurando a risada diabólica.
- Boo!
Ela chegou a pensar em gritar, até mesmo sair correndo, ainda que fosse sentir falta de Selina. Mas revirou os olhos, bufando. Aquilo havia sido a coisa mais anticlimática que ela já vira na vida e todo seu medo sumiu. Como não sentiu o efeito desejado, o homem se lançou para trás e jogou o corpo no ar, realizando acrobacias como em uma piscina, tentando impressioná-la. Depois de três ou quatro saltos ainda sem conseguir triar um gritinho dela, ele parou, de braços cruzados.
- Deveras irritante sua persistência. Assim sendo, irei ao encontro de sua amiga. Talvez ela me renda alguns bons berros de medo.
E desapareceu no teto, atravessando feito gelatina. Foi o suficiente para deixar Elisabeth ainda mais enjoada e ela tampou a boca a tempo de segurar a ânsia. Olhando em volta, nenhum sinal de Selina. Partiu então para a próxima sala. Parada não encontraria nada nem ninguém.
Em outro cômodo Selina alisava as têmporas, sentindo que havia levado uma pancada ali. Doía não só a cabeça como os braços e pernas, de ter sido segurada com força por alguma coisa ou alguém e jogada para dentro daquele quarto. A parede tinha restos de um papel de parede dos tempos de sua avó, com detalhes de flores em lilás e rosa sobre um tracejado de branco e bege, em uma combinação que claramente havia se tornado enfadonha há pelo menos cinquenta anos. Tropeçou ao sair da cama e se espantou em ver que havia esbarrado em uma das muitas pilhas de tranqueiras dos donos da casa. Haviam caixas de madeira, montes de roupas, um manequim de fibra de tecido e até mesmo um cavalete de pintura espalhados pelo chão do quarto.
Observou ao redor e reparou nos móveis bem trabalhados e ainda inteiros, o lustre de vidro da era colonial, o espelho de corpo inteiro com armação de ferro escovado e o distinto homem parado de pé ao lado da cama. Só que havia algo de muito errado nisso, não por ele estar ali e ela não ter reparado antes ou por suas roupas completamente discordantes do século atual, apesar de que ali dentro, ela e Elisabeth é que estavam fora de época, mas por ele estar parado como uma estátua de cabeça para baixo. Ela segurou o urro que ia dar com todas as forças, o que pareceu causar nele repúdio, fazendo uma carta incomparável.
- Ora, mas me tomam por tolo e zombam de mim, suas invasoras! Nem ao menos um som de espanto eu consegui de vocês duas! Pois bem, se nada posso como minha forma atual, irei causar tanto medo em vocês que se unirão a mim após terem ataques do coração!
E desapareceu, assim como veio, no meio do nada. Selina abriu e fechou a boca algumas vezes, incrédula em ter visto um fantasma “rodando a baiana” e resolveu, para não ficar ali, sair em busca de Elisabeth. Quanto antes saíssem daquela casa maluca, melhor para sua sanidade.
Por corredores distintos, as duas amigas percorreram a maioria dos quartos, evitando chamarem o nome uma da outra para não atrair o poltergeist que as assombrava. Subitamente, um mórbido som de violino cortou o silêncio, penetrando em cada fresta das paredes, em cada buraco no chão, em cada centímetro do corpo das duas amigas. Era uma melodia triste, macabra, melancólica e era irresistível. Atraiu as duas garotas pelos corredores até a ala sul. Lá chegando, encontraram o enorme salão de baile, que um dia fora belo e dourado, mas agora estava desgastado, em tom de cobre e com apenas uma fração do brilho de outrora. O fantasma estava lá, esperando, tocando o violino negro.
Assim que elas entraram as portas atrás de si fecharam e o fantasma parou a música. Ele trazia uma expressão divertida, maquiavélica, e com uma simples vibração em uma das cordas do instrumento, todo o mundo pareceu virar de cabeça para baixo. Por cada parede, chão e teto surgiram casais de diferentes idades, épocas, estilos e até mesmo tamanhos, dançando uma valsa fúnebre, preenchendo todo o espaço do salão, ainda que nunca se tocassem, pois ao atravessavam uns aos outros. Um órgão preso na parede era tocado por um músico sem cabeça e um maestro banhado em ectoplasma regia uma orquestra de esqueletos. O fantasma girava, rindo, percorrendo todo o salão através de seus iguais, esperando pelos jubilosos gritos de pavor das meninas. Que não veio.
Pelo contrário, elas pareciam extasiadas, os olhares não se paravam em nada, seja no casal robusto de fraque e corset que parecia ensaiar um tango ou no violoncelista que usava a própria perna como o arco para tocar. Tudo era estranho e ainda assim fantástico, uma festa sobrenatural de enorme porte. Deveriam ter medo do sangue espectral das vítimas de mortes sangrentas ou do olhar perdido das almas vagantes, mas nada, nem por um segundo, parecia lhes causar tal emoção. A um estalar de dedos o fantasma fez com que todos os outros sumissem e elas estavam uma vez mais sozinhas com ele.
- Mas já? Estava tão divertido! – exclamou Selina, um pouco desapontada.
- Por mim eles podiam ter dançado a noite inteira. – concordou Elisabeth.
Elas estavam deixando o fantasma fora de si. Ninguém nunca zombou dele daquele jeito, elas não tinham o mínimo respeito pelos mortos? Ele até havia mostrado sua trupe completa, na esperança de amedrontá-las profundamente e o máximo que havia conseguido era um sorriso fino de empolgação. Emburrado como se fosse criança, deixou o corpo despencar e solidificou-se antes de chegar o chão, ficando ali deitado. Era engraçado demais para elas e não conseguiram, apesar de não terem tentado com tanto esforço, segurar a gargalhada.
- Sim, riam, riam suas megeras! Tirem divertimento do pobre Leon! Que heresia! Que maledicência poderia justificar sua atitude tão pouco feminina! E esta zombaria é sem fim?
- Ô, ô, ô, ô, calma lá, ô engomadinho. – Elisabeth cortou o lamento dele. – Selina, pelo jeito as lendas estavam erradas. Não há nada assustador aqui.
Selina meneou a cabeça, aproveitando para olhar de soslaio para o fantasma Leon, achando muito engraçada a expressão de desespero dele.
- Nada assustador, dissestes? Pois bem, eu demonstrei toda minha coleção de aterrorizantes imagens e ris disto? Adeus! – e sumiu.
As duas amigas se entreolharam, não sabendo se continuavam rindo ou se paravam, tão idiota era a situação. Selina pegou seu diário de campo e anotou tudo que haviam descoberto sobre o local, enquanto Elisabeth batia umas fotos do grande salão. Pegaram suas bagagens e partiram, sem pressa, para registrar toda a empreitada. Enquanto saíam, Selina teve certeza de que alguém as observava e direcionou o olhar para a janela mais alta. Lá, um vulto rapidamente se apagou, deixando a janela vazia, mas não rápido o suficiente para que ela não percebesse Leon, ainda emburrado. Sorriu para Elisabeth e partiram, secretamente se preparando para voltar e atormentar um pouco mais do pobre fantasma.

terça-feira, 12 de março de 2013

Nascimento

Todo escritor precisa de leitores, ninguém escreve apenas para si mesmo, ou seria unicamente um diário, mas mesmo o diário não tem graça se não há alguém que dê uma espiada nele. Depois de muito amargar na escuridão, volto a publicar meus contos, agora em um espaço mais a minha cara. Mas não serão só contos, haverá também poesias e textos aleatórios, de acordo com minha vontade. Não tem periodicidade, apenas publicar uns dois a quatro textos por semana, para me manter ativo e, caso conquiste leitores, passe a conquistar a fidelidade deles também, em uma cumplicidade escritor-leitor como deve ser. Para começar, uma poesia escrita especialmente para este retorno aos blogs pessoais...

O Vazio do Medo

O vazio consome tudo ao meu redor
Há caos na criação
Medo confronta meu pensamento
Sopram longe os ventos da inspiração
Trama consistente bloqueia minha visão
Suas teias não vão me libertar
Mas espere, uma luz me alcança
Musa que vem lá, me ajuda!
As camadas de minha prisão caem
Uma por uma, dente por dente
Deixo minhas vestes mortais pra trás
Nu, caminho no anoitecer de minha alma
Está na hora de recriar
Volto então ao princípio
Pois do pó virei pó
E me remodelei da massa primordial
Aqui estou, vazio, não temo mais
Adeus, jaula voraz da negação