quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Delirando

Faz algum tempo passei a trocar ideias com outros autores de contos (também, já vou para meu sétimo publicado!), mas um em especial tem sido um grande parceiro e tem me influenciado a investir mais no meu trabalho. Ele insistiu para que eu tentasse uma vaga na sua próxima antologia, A Bíblia dos Pecadores, e agora que já enviei minha contribuição (e estou esperando o resultado), ele me repassou o link do blog dele para dar uma olhadinha.
De Lírios, que foi a razão do título desta postagem (claro, dãh!), é um prato cheio para quem gosta de textos bem emocionados e poesia pura. Apesar do Isidro ser português raiz, o que ele escreve é facilmente perceptível por nós, tupiniquins. Sugiro avidamente uma passagem pelo seu blog para apreciar os escritos e quem sabe conhecer outros trabalhos que ele participou.
E mais uma vez inspirado, cá estou trazendo duas poesias sem nome que espero que gostem.

Vou te contar um segredo, preste atenção
Se olhar pra dentro da minha cabeça
Encontrará um mundo escondido da solidão
Onde nós dançamos e cantamos e não há fim
Para a festa que todos fazem para mim
Porque sou um herói de aventuras infinitas
Pode me passar uma xícara de chá?
Tenho muitas histórias para contar
Sobre mim, sobre você, sobre a gente
Coisas que venho guardando dentro da mente
E que tinha vergonha de dizer em voz alta
Mas nessa brincadeira insensata
Parecem tão fáceis de falar
Pois neste meu mundinho particular
Não tem quem me diga que estou errado
Mesmo que seus sorrisos sejam falsos
Seus olhos feitos de botões alinhavados
E suas almas quebra-cabeças do meu coração furado
Pois dentro da minha cabeça
Está meu mundo perfeito

Há uma válvula na minha cabeça
Que abre cada vez que penso
As mentiras que insisto em contar
Escapam pelos meus olhos
Caindo no vento, sem rumo
Até algum ouvido encontrar
Se tornam pó de estrela no fundo do céu
Da minha mente poluída semi-destruída
Pra escorrer da minha boca
Enchendo de veneno minha vida
Que foge pela borda do meu autocontrole
Já não sei mais pra onde vou
Nem sei se realmente vou
Estou perdido no labirinto dos meus sentimentos
Como se não tivesse mais destino
Seguindo por uma linha torta que nem tracei
Mas que como autoestrada
Me leva em alta velocidade alucinada
Em direção ao meu norte desconjuntado
Onde vou encontrar meu coração quebrado
Esperando que eu feche essa válvula
Que eu nunca pensei que iria abrir

terça-feira, 23 de junho de 2015

Lembranças de um antigo escritor

Ah, eu sou relapso, ah sou! Eu devo ter uma penca de textos pela metade em várias pastas do meu computador, e também umas tantas outras ideias anotadas em cadernos que nunca vou tirar do papel. O que se salva acaba aparecendo aqui ou indo parar no notebook dos meus e minhas amantes por aí que pedem contos especiais. Adoro todos vocês por escravizarem minha cabeça e... ah, caraca, acabei de lembrar de mais uns três ou quatro pendentes. Um minuto pra eu me acertar com meu teclado enquanto tento tirar isso ainda essa semana da minha cabeça.

E falando nisso... meu conto Tique-Taque finalmente está em mãos! IEI! \o/ Lançado como parte de uma antologia de terror, Legado de Sangue, hoje de manhã surpreendi meu carteiro deixando na frente de casa uma caixa lotada de exemplares. Bem, não são tantos assim, mãs... é bom ter aqui algo que acompanhei tão ansiosamente. E tenho pra vender! Quem quiser prestigiar o que eu e outros autores muito melhores escrevemos, pode pegar um comigo, por apenas 25 dilmas! (vulgo R$25,00) Vai por mim, com tanto conto e mais de 300 páginas, tá barato, tá barato.

Enfim, o que trago hoje não é uma besteira qualquer, é besteira das grandes. Eu falei que sou relapso né? Então, mexendo nas coisas que estou separando pra me mudar (sim, de novo), encontrei umas folhas amassadas de textos antigos. Alguns de verdade. Outros não. Eu separei o que prestava e o que não joguei fora. E aí vi que tinha uma porrada de poesia e músicas que escrevi e... não vou julgar, deixarei isso pra vocês. É melhor que me digam o que realmente acham e não sejam influenciados pelo que estou pensando.Vou deixar umas aqui hoje e outro dia volto com mais.
Sem delongas...

Declaração de Guerra

Eu sou fraco
Pois com apenas um toque
De sua pele na minha
Já me derreti por você
Eu sou forte
Pois mesmo tentado pelo luar
Que banhou sua pele lisa e alva
Ainda me contive por você
Eu sou prisioneiro
De um encanto ancestral
Um lamuriar eterno
Que me tornou o seu carma
Eu sou teu
Servo, Escravo, Leal Sancho
Que te entrega carne e alma
Para que possas viver
Eu sou fraco, forte, prisioneiro teu
Bravo, alvo, curioso de você
Perdido nas tuas lágrimas
Fazendo você sorrir e viver

Terra de Sombras

É tão frio aqui
O mar é tão escuro
Já não tenho pra onde ir
Estou em cima do muro
Talvez o amanhã chegue
E não precisemos correr
Não sei o que vem por aí
Já não posso prever

Nessa terra de sombras
O sol não aparece
Neste lugar mórbido
Só você me aquece

O tempo desistiu da gente
Não temos nada pra fazer
É um lugar sem emoção
E talvez sem paixão
A esperança no futuro
É só você
Que você torne tudo seguro
Com seu jeito de ser

Um Fim

Cada fragmento do teu sorriso
Espalhado pelo chão de xadrez
O médico disse que é o que eu preciso
Quando nos encontramos daquela vez
Minha vida dedicada ao trabalho
Nunca mais voltarei a ter
As horas que gastei ao acaso
Eu queria passar com você
Agora morto não poderei mais
Viver a vida que imaginei
Perdi a chance de estar em paz
Não foi como eu pensei, não

terça-feira, 28 de abril de 2015

Caos de pensamentos

Andei bem, bem ocupado. Muitas coisas pra fazer, pouquíssimo tempo pra resolver. Deveria estar dormindo agora, mas quem disse que consigo assim, tão fácil? Precisava publicar aqui, é um dever pessoal contar histórias, eu sinto uma necessidade bem grande disso. Lamento pelos atrasos, mas prometo compensar com textos melhores. Quem sabe não posso ser do agrado de vocês com maior frequência?

Pra aqueles que não sabem, saiu um conto meu em uma antologia erótica! Já tenho o livro em mãos, chama-se Clímax - Faça-me chegar lá!, e meu conto é aquele que encerra a história, "No Meio da Tempestade". Eu pude finalmente relê-lo agora publicado e me impressionei. Fui eu mesmo quem escreveu isso? É de arrepiar, o primeiro que consigo transformar em trabalho impresso. Vai pra minha estante ao lado das NeoTokyos em que tive textos. Se alguém tiver interesse, ainda tenho alguns exemplares pra vender e... quem só quiser ler meu texto, estou sempre com uma cópia do livro na mochila! Só pedir!

O que trago hoje acabei de escrever. Decidi que queria trazer algo lá de dentro e acabou saindo esta pequena historinha, minha versão do Conto de Natal. Sinceramente, é um dos tipos de história que mais gosto e espero que vocês também apreciem lê-lo! Até!

-*-X-*-

Carmem era uma mulher bela, decidida, forte, obstinada... e também o tipo de pessoa que não se aguentava, que tinha diversos defeitos as quais insistia em demonstrar aos outros. Por isso mesmo que, Natal vinha, Natal ia, passava a madrugada seguinte sozinha, bebendo em seu apartamento no Leblon, de onde poderia admirar as festanças lá embaixo, bem lá embaixo, onde as pessoas pareciam formigas fazendo o que quer que formiguinhas fizessem e sinceramente ela achava isso uma bosta. Como sempre veria um filme, olharia alguns filmes com seus atores pornôs favoritos e então dormiria feliz abraçada a uma garrafa de uísque, para voltar à rotina no dia seguinte. Mas não este ano.
O primeiro a visitá-la chegou à meia-noite em ponto, trazendo consigo um bom vinho, uma caixa de bombons licorados e um pacote de camisinhas, uma dúzia delas. Seu sorriso encantador, seu corpo másculo de traços delicados e seus olhos sedutores derreteram o bloco de gelo que era o coração de Carmem naquela noite. Precisou apenas de cinco minutos para levá-la para a cama e durante os cinquenta seguintes a apresentou às mais diversas perversões, muitas das quais foram ouvidas pelos poucos vizinhos ainda no prédio. As marcas na pele de Carmem durariam semanas, mas a festa acabou logo antes da uma.
E então veio a segunda, e trajava a mais horrenda das combinações de camiseta e saia. Seu semblante era fechado e dolorosamente consternado, perfeito nas suas falhas, e muito triste. Mais uma vez afogou suas mágoas na bebida, o vinho que já estava ali e se encararam silenciosamente, uma batalha de caretas que terminaria em um desânimo tão profundo quanto amedrontador. Por vezes seus olhos escapavam para as facas da cozinha, a janela da sacada e os remédios para dormir. Quando as duas horas finalmente soaram no relógio, sentiu0se aliviada.
Veio então uma súbita alegria, e de repente não estava só. Uma doce garotinha havia entrado e contava histórias sobre suas adolescências, os namoradinhos, um cachorro falante e uma viagem louca pelo interior de São Paulo, no qual encontraram a fonte da juventude, motivo pelo qual seriam jovens pra sempre! Viu-se dançando, valsando, cantando e pulando e então a cama foi bagunçada ainda mais e parecia que poderia se entregar às suas maiores vontades. Rasgou alguns contratos, escreveu cartas para seus amigos, aqueles que nem lembrava que tinha e gritou da janela o quanto achava gostoso ser enrabada pelo chefe e então... então passou. E se viu olhando para o céu noturno.
E a via-láctea pareceu brilhar mais às três da manhã. Cometas viajaram pelos céus enquanto o futuro se abria ao seu redor. Estava em uma sala de reuniões, mas não era ela mesma quem falava, era o garoto que havia entrado na empresa há menos de um ano e que agora era o líder do departamento. Concordava com tudo, mesmo odiando saber que ele estava sendo um idiota e que nada daquilo renderia bons frutos simplesmente porque não era original. Carmem seria muito melhor... se tivesse feito mais do que deixar-se ser levada por suas manias, por suas fraquezas, pelas palavras doces e falsas dos outros. Sem filhos, marido, rumo, um fóssil, engessada no meio de um monte de gente ainda mais depressiva.
E então lembrou-se das coisas que queria aos dezoito anos, quando teve a brilhante ideia de abandonar o que queria fazer de verdade para conseguir aquele cargo na empresa do tio de um amigo. Levantou-se e foi até o armário resgatar alguns cadernos de desenho, folheou as páginas, rememorando as conversas com suas amigas, os contos que fizeram, as histórias que inventaram e imergiu nos mundos fantasiosos de antes. Sorriu, sinceramente, pela primeira vez em muito tempo. As lágrimas correram e o coração parou, de repente.
Não sentiu bater, o corpo entrou em torpor, a mente vagueou. Estava olhando de cima, jogada, largada, abandonada. Em paz. Ninguém mais lhe dizendo o que ou como fazer, as cobranças indo, e também... também... todas as oportunidades. E tudo que não viveu? E as viagens? E os passeios por Copacabana, apenas para encontrar uns rostos conhecidos e saírem para beber no fim de semana? O vazio trazia o frio. Não estava mais engraçado. Uma mão estendida a aguardava, e um semblante branco, bonito e gentil lhe dizia que ficaria tudo bem. Muito cedo, querida, pensou, e então retornou.
A fúria veio montada em um cavalo negro como um bárbaro de tranças carregando um machado. Gritou e vandalizou os móveis tão bem trabalhados, riu e destruiu os relatórios que havia escrito e preencheu páginas e páginas de contratos assinados com as palavras “Mentiroso” e “Vadio” entre outras coisas bem piores. Gargalhou até cair cansada no meio do quarto, e à sua volta um mar... um mar de destruição. Como sempre, depois veio a criação. Pegou as folhas rasgadas e as reuniu. Tirou do fundo da gaveta um conjunto de pincéis e tinta e por cima de tudo pintou um rosto. Seu rosto. Carmem se projetou com o mesmo sorriso de dez anos antes. Feliz e alegre. E então pode sorrir desse jeito novamente.

Feliz Natal, Carmem.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

De coração aberto

Eu valorizo a amizade, muito e sinceramente. Sou o máximo de amigo que puder, mesmo que a pessoa não peça ou queira. Prefiro me entregar, integralmente, e aos poucos me moldar aos meus amigos. Tenho-os como irmãos, amantes, parceiros, pessoas a quem devo ser leal, a quem quero ser leal, e por quem batalharia. Então eu gostaria de me expressar, só um pouco, e contar aqui o que sinto... por vocês, ma friends.

Espírito de Alcateia

Se eu pudesse mudar as estações
Fazer do seu outono primavera
Eu te diria que não te preocupe
Pois ainda veremos muitos verões
Olhe, amigo, o sol há de se pôr
Talvez mais cedo, talvez mais tarde
Não tenha medo de se perder
Eu vou estar ao seu lado seja o que for
Sóbrio ou ébrio, são ou louco
Serei guerreiro, companheiro
Até mesmo pai ou professor
Eu te amo e não é só um pouco
Perceba, meu amigo, você está fadado
A ter minha parceria não importa o quê
Seja querendo ou de muito mal grado
Estarei contigo mesmo que bote tudo a perder
Sábio era o tolo que nos fez iguais
Não pensou talvez que fossemos mais
Do que somente amigos leais
Somos irmãos, hoje e sempre até o final
Seja sob a luz da vitória ou perigo mortal
Obrigado por ser tão fiel
Não poderia querer nada melhor
Você terá tudo de mim, mas principalmente o amor

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Eu não sei o que ando bebendo...

...mas não quero parar. Definitivamente. O texto que trago hoje foi um conto que escrevi e veio do nada, totalmente aleatório e muito, muito divertido. Não é sempre que sinto tanto prazer escrevendo, mas gostei tando do que fiz que precisava correr para compartilhar.

PS: Continuo horrível pra títulos!

Visita ao Sonho

Você sabe o que é acordar ao meio dia, encarar o vazio na parede do seu quarto e pensar que deveria ter continuado dormindo? Se disser que sim, será um mentiroso terrível pois até hoje eu nunca tinha ouvido falar de algo que sequer fosse parecido com isso, que dirá tão cheio de detalhes como quando o Sonho invadiu meu mundo apenas para me trazer um anão de cachimbo com uma carta em folhas de bananeira. Pois foi exatamente assim que comecei aquela segunda-feira.
Eu havia ido dormir no domingo com a estranha sensação de que teria um péssimo dia seguinte, já imaginando como explicaria ao meu chefe que a festa da faculdade no sábado havia me deixado tão ferrado que eu passara o resto do fim de semana devolvendo meu almoço de quando tinha quinze anos e por isso não podia terminar o relatório que ele me pedira. Há duas semanas. Sim, eu odiava meu emprego, mas quem poderia me culpar? Não odiamos todos nossos chefes ranzinzas de quarenta, quase cinquenta, como cara de sessenta? Bom, eu pelo menos admito.
Mas nada me preparara para o anão, que aliás usava um casaco laranja-lima com um gorro em plena primavera e que tinha a barba mais pontuda do mundo, podem conferir no Guinness. Ele me olhava com suas contas esmeralda, cheias de um brilho sobrenatural e assustador, e pigarreou quando me viu piscando devagar, como se quisesse que ele entrasse em foco. Tirou a bananeira da bolsa de couro e me estendeu, pois era óbvio que eu deveria pegá-la e entregar a ele uma moeda de bronze pelo serviço. Oh, desculpe, estou me adiantando.
- O que é isso? – foi o que perguntei brilhantemente.
- O que parece, meu chapa? É claro que é uma folhagrama. E é bom ler rápido, pois fui pago por uma resposta, e não para ficar esperando.
- Mas... o quê...
- Olha aqui. – ele apontou aquele cachimbo fedorento pro meu rosto – Eu sou um servidor das entregas a vácuo desde que eles inventaram as cartas-de-bilbouda, então é bom que tenha respeito por mim e deixe-me terminar meu trabalho. Ok?
- Tudo bem, tudo bem! Não precisa se irritar... homenzinho. – sussurrei a última palavra com medo que ele enfiasse aquele pedaço horrendo de madeira em meu nariz.
A letra era muito rebuscada, cheia de volveios desnecessários que só dificultaram a leitura, que aliás, fez um nó na minha cabeça antes de perceber que não deveria pensar na lógica das palavras, mas no que havia por trás dela. Ou seja, dane-se o mundo, apenas leia, divirta-se, tipo o filme pipoca ruim que você vai ao cinema ver e esquece que está lá, até que acaba e você sai do cinema rindo e comentando com os outros como foi a pior experiência da sua vida e pronto, pode ir pra casa assistir aquele clássico cult e que sim traz uma mensagem, normalmente edificante e cheia de mistérios que você nunca vai desvendar.
“Caro Normie (porque meu nome é Norman e sim, alguém achou que seria um bom apelido)
Estávamos contando com sua excelentíssima e grata participação em nosso sistema de auxílio aos não-encantados e que poderia, talvez, em alguma instância próxima entre hoje e a próxima lua dos dois quartos), unir-se a nós na corte para discutir os assuntos referentes ao seu tio em segunda cláusula do sol de três pontas, Willfred Von Duck, e que, caso não se faça de rogado ou ache por demasia enfadonho, possa dar a ele uma defesa digna para que não se vá diante da lâmina mui afiada de sir Godrick dos Picos Altíssimos, que deseja de todavia fazer da cabeça de seu tio um belíssimo troféu para alegrar sua casa de veraneio em Lago Flock. Desde já interessados em sua visita e tomando de chá com bolinhos,
Os reis de Monastergo”
E havia um Anti scriptum colocado no fim do texto, mas fora feito com algum tipo de tinta que se derreteu ou talvez tenha sido só esparramada por ali e não fazia mais o menor sentido. Definitivamente o tipo de coisa que passaria por falta de educação se o anão não estivesse batendo seu longo e desproporcional pé com uma expressão assassina em seu rosto redondo e barbudo. Cocei a cabeça e fiquei olhando para a folha até dizer uma tolice:
- Ahn... então... eu acho que vou?
- Ótimo. É uma mensagem enfim! Ufa! Posso tirar minhas férias. Aqui. – ele deixou um pacote que mais parecia um daqueles que envolvem lembrancinhas de casamento e se jogou no abismo na minha parede – Monaaaa! Estou in...
Desapareceu, levando consigo o vácuo e devolvendo a pintura abacate que minha mãe insistira que ficaria bem e não me enjoaria ao vê-la todo dia ao acordar. De fato, eu não consegui, já que a tinta vagabunda começou a descascar e cobrira tudo com pôsteres, restando apenas um trechinho que lembrava uma teia de aranha muito bêbada. Olhei para o pacote e puxei o lacinho, esperando que um sapo saltasse de dentro. Para minha surpresa era uma caixinha de música simples, com uns poucos ornamentos dourados sobre uma superfície rosada.
Tão bonitinha, eu a girei entre os dedos três vezes até decidir que talvez fosse uma boa pô-la para tocar. Que mal haveria nisso? Como deve perceber, foi uma das minhas decisões ruins que culminaram no que seria a experiência lisérgica mais louca desde que tomei aquela bala em uma festa prestes a completar 17 anos e fui parar em uma bóia no meio da piscina cercado de balões e uma menina semi-nua. Melhor não falar mais nisso. Onde estava? Ah sim. A caixinha. Eu girei a chave que a ativava e de repente senti muito, muito sono. Nem lembro como era a música, talvez fosse uma versão techno punk de Hey Jude, algo assim, tenho certeza que tinha a voz de Paul...
E então eu estava em uma sala de teto xadrez. Não, não me enganei ou estava de cabeça para baixo, o teto realmente tinha ladrilhos de duas cores e o chão era coberto por um carpete verde-musgo que faria minha mãe sorrir pela escolha. Era uma sala menor que meu cubículo no escritório e tinha apenas uma poltrona e um sofá, além de uma mesinha com o conjunto de chá mais estranho. Mas bem, na situação que estava, como poderia julgá-lo? Um senhor me observava da poltrona, e ele usava um terno bem alinhado, risca de giz, da cor de um céu de tempestade e pantufas de ursinhos carinhosos. Seus óculos de coruja haviam escorregado para a ponta do nariz mas ele não parecia se importar. Observava-me como um cientista que de repente descobre uma formiga andando sobre seu projeto de dois bilhões de dólares.
- Levante-se, Norman, temos que conversar. Seu tio não pode esperar muito tempo.
- Desculpe-me... como o senhor me conhece? Onde estou? Quem é você? Quem é esse tio Valfredo? E como diabos vim parar aqui?
- Bom, são muitas perguntas meu rapaz, não tenho tempo para todas. Qual prefere ouvir?
- Eu... acho que sobre o tio...
- Ah sim, Willfred. Sim, sim, um bom amigo, uma pena que um tanto biruta, com suas ideias sobre geogamia, carros movidos a sonhos e aquele papo sobre músicas feitas com instrumentos eletrônicos. Todos sabemos que batidas são apenas isso, é como um macaco cantando ópera! Bem, Willfred está profunda e sumariamente encrencado e provavelmente prestes a enfrentar o pior julgamento de toda a história feérica, animada e talvez até do submundo. Devo dizer que se tiver sorte, o exílio será uma opção agradável.
- Eu... não entendo.
- Rapaz. Quão bem foi sua adolescência?
- Não posso reclamar... muito. Eu tive uns amigos, fui a algumas festas, namorei uma garota...
- Sim, sim, tudo normal, não é? ESTE é o problema!
- Como assim?
- Veja bem, você, Norman, deveria ter sido contatado por seu tio quando tinha 13 anos e nem um dia a mais, ou pelo menos encontrar um diário perdido aos 14 ou recebido uma carta misteriosa dois anos depois, que o levaria a uma jornada de auto-conhecimento, descobrimento de poderes inigualáveis e quem sabe encontrar a garota de seus sonhos ainda que não soubesse nem o que é ter uma paixão direito. Mas não! Willfred estava tão concentrado em seus experimentos com o veículo e aqueles docinhos de padaria que esqueceu! Ele ESQUECEU! Veja que absurdo!
- Eu... não sei do que está falando. Eu tive uma boa juventude... acho. Não posso dizer que... você falou de poderes? Sou algum tipo de mago, por acaso?
- Ah, essa besteira? Naaaaah... no máximo deve ser capaz de lamber o próprio cotovelo e calcular os números primos de cabeça. Não, não, falo daquilo que todo jovenzinho tem, a autoconfiança excessiva, a criatividade para problemas e a transformação de uma situação comum em drama. Você foi excessivamente tranquilo e sereno. E isso é errado! Por conta disso, seu tio agora deverá se justificar diante do conselho e eles com certeza devorarão ele vivo com pouco sal e pimenta!
- Fala sério? Porque eu tive uma adolescência comum e boa ele vai pagar o pato? Prefeririam o quê? Que eu tivesse virado um rebelde sem casa?
- Oh sim, que grande emo você teria sido! Consigo vê-lo de cabelo preto e liso e olhos pintados, compondo poemas! Poderia até ter montado sua banda de dois instrumentos e virado uma sub-celebridade do YouTube!
- Por favor, não. Estou feliz assim mesmo.
O velho suspirou e largou sua xícara do lado apontando para o sofá, que eu cordialmente sentei. Ficar de pé havia me cansado pra valer e a conversa parecia que seria muito longa. Ele coçou a cabeça revelando um buraco entre seus longos cabelos prateados.
- Então você vai defendê-lo. Boa sorte.
E tudo ficou brilhante e ofuscante. Em seguida eu estava no meio de um tribunal de vários andares, ainda no sofá e cercado de guardas, todos vestidos em armaduras absurdamente brilhantes e cheias de entalhes e todo mundo me olhava. E eu falo dos mais diversos e esquisitos seres mágicos já imaginados. Fadas, duendes, anões, elfos, gnomos, vampiros, lobisomens... tudo que puder e o que nunca conseguirá imaginar. Eles me olhavam como se eu fosse o rei Elvis prestes a se apresentar. Creio que vi pelo menos dois iguais a ele e ao Michael no meio da multidão. Um senhor, quase tão velho quanto o que falava comigo antes, estava sentado de pernas cruzadas em uma tartaruga colossal e olhou para mim antes de falar.
- Norman dos mortais sonhadores, você está pronto para defender seu tio, Willfred Von Duck?
Seu dedo longo indicava um rapaz não muito mais velho que eu, mas dono de um bigode de dar inveja à Dali, vestido em uma combinação que não me surpreendia mais de camisa social, saia escocesa, casaco de poliéster e um par de fones de ouvido apoiados nos ombros. Parecia prestes a ir a uma das festas que eu tinha ido recentemente e poderia ser meu veterano que nem notaria a diferença. Tirando isso, seus cabelos eram tão azuis que provavelmente despareceriam junto do chroma key durante uma filmagem. Ele não sorria, mas tinha o ar brincalhão de quem estava prestes a aprontar.
- Eu... acho que sim.
- Ótimo, podemos avançar para isso de uma vez. Excelentíssimo julgador?
Um duende de preto com um turbante escarlate veio saltando por entre os guardas até ficar de pé na minha frente, em cima de uma mesinha. Mesmo com o apoio, a diferença de altura era clara e se eu ficasse de pé ele bateria em minha cintura. Eu fiquei encarando-o até que ele tirou uma vareta e apontou para meu nariz, muito mal educado.
- VOCÊ, MORTAL!
- Não precisa gritar... – murmurei.
- NÃO ME INTERROMPA! VOCÊ! COMO OUSA VIR ATÉ AQUI, DIANTE DE TODA ESSA GENTE, E DEFENDER ESTE IMUNDO, PREGUIÇOSO E TOLO DJINN QUE NUNCA FEZ NADA PARA CUMPRIR SUAS FUNÇÕES!
- Não, sério... tá doendo meu ouvido...
- CALADO! AGORA, FALE!
- Mas eu não...
- RESPONDA MINHA PERGUNTA!
- Olha, aqui, sua decoração de jardim furiosa, quer me deixar falar? Você me perguntou, então vou responder! Eu não sei que droga está acontecendo aqui ou que tipo de coisa ele deveria ter planejado para mim, mas estou bem com a porcaria da minha vida, então dá pra libertá-lo, me devolver pro meu quarto e me deixar enfrentar o desgraçado do meu chefe e dizer a ele o quanto eu espero que ele sofra enfiando aquele relatório no meio do...
- É ISSO QUE DESEJA? DE VERDADE?
Eu vi o olhar em Willfred que me fez estremecer. Ele parecia que me dizia “Cuidado, pode não ser uma boa escolha. Mas se é isso mesmo que quer, estarei aqui para lhe apoiar. Ah sim, e pode vir me visitar outras vezes se quiser. Você parece um sobrinho muito legal, uma pena que nunca falei com você antes. Bem, espero sua visita!” o que foi muito estranho, porque ele só sorriu e então o julgador maluco bateu na minha perna e gritou de novo.
- SE É ASSIM, CASO ENCERRADO, MERITÍSSIMO!

E foi assim que de repente eu estava no meu cubículo, segurando a caixinha de música e mais sóbrio do que nunca na vida, logo antes do meu chefe entrar e me perguntar do relatório. Não sei se foi por causa do que eu tinha sonhado, ou se teve alguma realidade naquilo, mas achei que seria uma ótima ideia dizer a ele o que tinha dito no Sonho. Sim, foi uma ideia imbecil e claro que fui despedido. Mas não me arrependo nada disso.

sábado, 11 de abril de 2015

E então chegamos ao solo final...

Depois de quatro dias com músicas em inglês, achei que seria bom acabar com esta da Pitty, que é uma das melhores dela, se não A melhor. Digo isso com conhecimento de causa, ouvi muita coisa da cantora graças ao gosto peculiar da minha esposa, que aliás, é a razão de eu gostar ainda mais dessa música. Ao contrário da protagonista, eu não fui deixado em uma estante, para exibição. Eu sou feliz ao lado dela e é isso que me emociona, me impulsiona, me direciona. E é dedicado a ela que trago esse texto, que não é nem um conto, nem uma dissertação, nem nada. São meus pensamentos jogados em duas páginas de Word e trazidos crus pra cá. Contemplem o que acontece quando minha mente se liberta ao som da Pitty.

                               

Eu ouvi tantas vezes que não se é possível conquistar alguém sem tentar se aproximar, sem fazer o mínimo de esforço. Muitos de nós se sentem incapazes de dar este primeiro passo, sorrir, perguntar se quer tomar um café e iniciar uma conversa. Dói o medo e a dor causa o pavor. É muito assustador pensar que se pode quebrar o coração de forma tão frágil assim com um simples “não”.
Luciana se aproximou de Tiago e tocou seu ombro, vendo-o se virar com um sorriso muito amplo, daqueles que fariam seu coração perder o compasso. Ajeitou o cabelo atrás da orelha e com muita timidez fez a pergunta que estava ensaiando.
- Ei, quer ir com a gente no cinema?
A expressão no rosto dele foi definitiva. Envergonhada, a menina resolveu dar as costas e ir chorar em algum canto.
É tão difícil se expôr, se colocar à mercê das dúvidas e enfrentar algo que, a princípio, deveria ser natural e tranquilo. Os animais o tempo todo cortejam uns aos outros e tem que lidar com a rejeição quando não são as melhores opções. O ser humano é quem racionaliza, emociona e principalmente se deixa afetar de forma a pensar que nunca vai se recuperar. Além de doer, é capaz de traumatizar, colocar barreiras que vão demorar, se é que vão, pra se desfazer.
Elton deu duas voltas na quadra antes de conseguir entrar na loja e ir falar com Mariana. Tinham combinado de se encontrar ali há duas semanas e a garota desmarcara o compromisso pelo menos umas quatro vezes, na maioria por motivos um tanto bobos. Agora ele iria conversar com ela, tentar entender porque ela estava fugindo. Encontrou a amiga parada de costas para uma estante, analisando caixas cheias de produtos.
- Mari?
- Hum? Oi El! Tudo bem? – ela perguntou meio sem graça.
- É... tudo... eu achei que talvez você pudesse tomar um suco comigo na sua hora do café... tem uma lanchonete ótima aqui do lado, na galeria e...
Pode ver a tristeza no olhar dela e sentiu um bloco de gelo no estômago. Anteviu o que vinha em seguida e aguentou enquanto ela tentava explicar que eles não iriam sair, talvez fosse melhor não se verem mais...
E uma alternativa mais... rápida... é diminuir suas expectativas, seja no tipo de gente com quem vai se relacionar seja na forma como se relaciona ou mesmo se não quer se unir com ninguém. Não que você seja obrigado a escolher um parceiro ou mesmo ter um relacionamento estável. Tudo é questão de decisões pessoais e isso é único, é livre, cada um faz o que bem quer. Mas a verdade é que muita gente prefere não pensar muito, afinal... a dor lembra de quando foi seguindo uma paixão...
Danillo ficou olhando calado enquanto Fábio desfilava com Daniel. Até o nome era parecido, mas diferente dele, o moreno era muito mais popular, atlético e “entendido da vida”. Até seu apelido, Dani, ele tinha pego pra si. Fábio parecia feliz, muito, e só isso o consolava. Pelo menos, por hora, ele não estaria mais reclamando das brigas com Johnathan. Virando-se para ir embora, Danillo viu uma mão surgir na sua frente e o rosto preocupado de Francine o observando com um olhar tristonho.
- Você não vai falar com eles?
- Não, não... acho que só vou atrapalhar. Além disso, Fábio parece...
- É, eu sei... ele está sorrindo. Mas ambos sabemos que vocês dois não tiveram AQUELA conversa...
- E nem vamos ter, não é necessário.
- Mas ele está errado! Vocês...
- Ninguém está errado, Fran. Pelo menos não aqui. Ele pode ficar com quem quiser. Só não quis ficar comigo...
E mesmo que doa pensar dessa forma, é o certo deixar que cada um tome o caminho que desejar. E é por isso que há tantos corações flutuando, muito fracamente, por aí, esbarrando em relacionamentos espinhosos. Ninguém quer ficar sozinho, mas muita gente quer ficar com quem não consegue. É uma provação tremenda lidar com isso. Nem sempre acaba bem.
Mário recuou, sentindo que era o fim. Tinha visto na cara de Gabriella o que ela queria antes mesmo de abrir a boca. Não voltariam pra casa juntos.
- Você... você sabe que não é o que sinto!
- Para... só, por favor... para!
- Adeus, Mário...
E partiu, deixando-o só.
Mas ás vezes, bem ás vezes, as coisas acabam bem, e alguém ganha uma segunda chance, uma derradeira oportunidade que não foi desperdiçada.
Tiago segurou a mão de Luciana antes que ela saísse do salão e a fez virar, com o mesmo sorriso, mas uma alegria diferente no olhar.
- Ah, claro. Desculpa, eu só fui pego de surpresa... achei que vocês não iam com a minha cara.
- Não! Quer dizer... não, não é isso. O pessoal só te achou diferente. Você é novo.
- É, eu sei... mas... se me conhecerem melhor...
- É isso que eu quero. Bom, topa?
- Com certeza.

A troca de olhares pode ser fatal, ser maldita, criar tanto amor quanto desprezo. O que importa é o sentimento colocado. E aproveitar o que vier pela frente.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Está quase chegando... no refrão!

Em determinado momento eu descobri em Numb a minha música favorita, durante muito tempo foi assim. Demorei a entender, no entanto, sobre o que falava a letra, não porquê eu não soubesse inglês (que eu sabia pouco mesmo), mas por não captar o sentido das metáforas, de "caminhar nos seus sapatos". Hoje eu vejo que, se tivesse compreendido a moral, teria ouvido por muito mais tempo. Eu não sou obrigado por ninguém a seguir o caminho que pedem, mas tem vezes que me perco nas trilhas dos outros, sendo como gostariam que fosse. Muitos de nós são assim, incapazes de desvencilhar-se de "obrigações fraternais" e seguirem as próprias ideias. Não é só uma questão de pais como mostra o clipe, mas também de amigos, irmãos, namorados, amantes... acima de qualquer coisa, sua liberdade de ser, fazer e pensar o que quiser é que é absoluta. Você tem o direito de decidir. A felicidade não depende dos outros, mas de si, e desde que você possa ser feliz sem deixar os outros infelizes, você pode ser feliz como e com quem quiser. É disso que fala Numb.

           

- Eu prometi que teríamos essa conversa, mas não esperava que fosse com ele junto...
- Olha, você tem que entender, eu...
- Não, não me venha com essa, sabe o que eu sinto, e essa é a razão de tudo estar errado, você não se importa. Quer me esfregar na cara que as coisas tem que ser do seu jeito.
- Não fale assim, eu te amo...
- Quando foi a última vez que conversamos? Você só sabe dele agora, está sempre com ele, diacho, eu sei que vocês estão transando.
- Pare! Não... eu...
- Por favor, não finja, eu sei... e não é isso que me incomoda mas... somos estranhos agora, e eu sinto que estamos cada vez mais distantes. Eu quero me livrar, só... me deixe ir.
- Não é isso que eu quero.
- Então por que não podemos nos ver? Que tal se saíssemos juntos, eu e você, sem qualquer tipo de obrigação, sem precisar estarmos acompanhados, podíamos pegar um cinema ou...
- Você sabe que não é tão fácil...
- Claro que não é... você precisa da aprovação dele. Olha, se vai ser assim, deixa pra lá.
- Não, não quero acabar desse jeito.
- Então o quê? Nós sempre fizemos as coisas juntos, eu sempre te ouvi... eu... eu deixei de fazer outras coisas por você...
- Você fica colocando a culpa em mim, desse jeito eu não aguento.
- É você quem não para de se intrometer na minha vida! Semana passada eu tinha planos e aí você voltou e me disse que queria me ver! Fui acertando todos os meus horários para estar aqui contigo e temos que pedir um minutinho pra ele pra podermos conversar!
- Isso porque você não quer falar com ele!
- PORQUE EU NÃO GOSTO DELE! PORRA, DÁ PRA ENTENDER? Eu... eu... eu amo você...
- Eu também te amo...
- Não, não ama. Você gosta de quem eu era, gosta do que criou pra mim, gosta de como era pra você, mas eu mudei... eu vou continuar mudando, eu preciso. Eu vou seguir em frente e vamos nos encontrar, de vez em quando, mas não me obrigue a estar do seu lado, esperando para poder receber um pouco de atenção. Não, não diga nada, já foi a oportunidade que tinha de nos mantermos juntos. Agora só consigo pensar em como fazer pra recuperar o que perdi... porque estava contigo.
- Você é tão cruel...
 - Não... eu sou livre. E estou cansado de ficar aqui parado, esperando por você. De adormecer, deixar de viver. Agora... eu vou embora.
- Espere! Não... não me deixe...

- Se você quiser mudar também... se quiser me seguir e continuarmos, mas lado a lado, cada um do seu jeito... então estarei aqui, caminhando... se quiser trazê-lo junto, ótimo... mas não vou mais me importar com isso... porque não estou mais entorpecido.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Agora comece a batida!

Se Basket Case me fez fissurar em Green Day, a culpada por Foo Fighters é esta aqui. Eu lembro da primeira vez que ouvi a voz do Dave Ghrol gritando que precisava reaprender a voar e quando vi o clipe com o Jack Black eu pirei, achei a banda mais foda de todas, e ouvi e ouvi sem parar este clipe, cheguei a baixar pro meu computador na época. Hoje, tantos anos depois, ainda é uma das minhas músicas favoritas e com uma qualidade surpreendente. Digam o que quiserem, Learn to Fly é um clássico, e um que mexe comigo e muito. Diferente das outras, essa mereceu uma poesia.

   

Hei, você pode me ouvir?
Ouço as crianças gritando lá fora.
Estão me chamando pra sair.
Posso ir agora?
Sinto que estou perdendo as forças
Que não consigo mais voar
Estou preso entre paredes
Grossas demais pra derrubar
Vou ter que reapreender como se faz
Abrir minhas asas e balançar
Talvez eu não saiba mais
Como se faz para chegar lá
O céu está me esperando
Sou um anjo de uma asa só
Minha cela é um quarto
Sem janelas, sem porta
De onde quero fugir
Sem saber pra onde ir
Por favor, me traga a chave
Liberte minha mente deste nó
Eu só queria mais uma vez
Voar até o sol nascente

Onde possa ver vocês

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Vai aumentado o som...

Segunda música que fala de pessoas fora da casinha. Essa foi a primeira música de rock que decorei o nome e lembro até hoje da sensação de ouvir a explosão do riff e a entrada da bateria. Muito tempo depois, quando vi o clipe, me apaixonei pela banda e o Green Day está na trilha sonora permanente da minha vida. Vários anos passaram e cá está, é a segunda da lista. Devo dizer que quando comecei o texto não sabia o que faria, mas... gostei MUITO do resultado. Sem mais delongas... Basket Case!!

   

Pego a guitarra, largo a guitarra, pego de novo, largo de novo. Já há meia hora que só faço isso. Não dá, não consigo, é muito difícil me concentrar, eu preciso... eu devo...
- Você precisa de um tempo, amigo... – diz uma voz vindo sabe-se lá de onde.
- Ahn? Quem disse isso? – pergunto olhando em volta, mas estou sozinho.
- Ora, amigo, quem mais? Eu! Seu companheiro de tantos momentos!
Eu procurei e procurei, mas nada achei. A voz parecia vir de todo lugar, como se ressoasse nas paredes, ou pior, estivesse dentro da minha...
- Ah, qualé! Não pode dizer que me esqueceu! Você acabou de tocar em mim! E foi tão gostoso... vem, me pega!
- Mas... que m...
- Oh, oh, oh... em vez de xingar... porque eu e você não tocamos uma juntos? Pelos velhos tempos... você sempre curtiu um sonzão pra desestressar!
É claro. Eu sabia. Estou louco, essa voz que ouço é fruto da minha imaginação. Não posso estar mesmo ouvindo minha guitarra fal...
- AAAAAAAH!
- O que foi, cara? Que agudo foi esse? Gosta de metal agora é? Hum, acho que dá pra fazer um solo bem maneiro, peraê...
- Por... por que você... por que você tem a cara do BJ?
No corpo da guitarra, bem próximo das cordas, um rosto em alto relevo, com aquelas olheiras e a boca meio torta me encarava. Eu reconheceria em qualquer lugar...
- O que é isso? Como... o quê? Eu dormi, já? Droga, tinha que estudar!
- Por favor, não... você está acordado e estamos conversando. Não corta o clima. Ei! Lembra daquela do Guns? Adoro quando você me dedilha com ela!
- Para! Não fala essas coisas! Só... para! Que droga! Por que você não podia ter a cara da Scarlett Johansson? Ou sei lá, se for da música, podia ser a Orianthi!
Dá pra ver a expressão sacana que ele faz, aquele rosto torcendo a madeira, como se estivesse flutuando logo embaixo, em uma camada não tão visível.
- Pfff... qual o problema com minha aparência? Não estou bonitão?
- Não é isso, mas... ah, cara, não queria mexer em ti agora e pensar no Billie...
- Ah, talvez você preferisse um rosto mais angelical? De longos cabelos negros e brilhantes olhos azuis e claros como o oceano?
Que golpe baixo ele deu! Falar dela era covardia, e eu senti que meu coração doía. Há apenas alguns dias que nós não nos falávamos mais, mas a intensidade era como se fossem horas.
- Não fala isso... eu... nós... é que...
- Eu sei, mermão, eu sei. É em mim que você toca aquelas baladas pra ela, que fica pensando enquanto batuca em minha caixa e tantas vezes ensaiamos aquele refrãozinho xororô do Bon.
- Eu não sei o que fazer, eu tô pirando.
Eu ouvi o assovio que veio dele, muito estranho, metálico, parecia até uma risada. Pude ver a piscadela, e então algumas cordas se mexeram, saindo um som de Dó.
- Então que tal uma vezinha, hein? Você sabe que quer, é essa a ideia. Aí nós choramos juntos, lamentamos sua frustração e ficamos nessa vibe boa. Você quer, diz aí.
- Eu... não sei o que quero... não é só ela... é tudo... eu deveria estar indo melhor, eu deveria...
- Você não deve nada a ninguém, nem a si mesmo. Curta o momento, amigo, seja jovem, seja feliz, seja radical! É só me pegar e teremos bons momentos juntos!
Lembro imediatamente porque larguei o vício que me consumia todas as tardes, os ensaios constantes para ficar cada vez melhor. Não estava agradando a mais ninguém, nem a mim.
- Olha... quer saber? Acho que sei o que quero.
- Ah, bom garoto! Vamos nessa então, que tal aquela do... ei! O que você está fazendo? Pera! PARA! NÃO FAZ ISSO! VAMOS LÁ! SÓ MAIS UMAZINHA!
- Desculpe, é tarde demais, você precisa ir pro seu canto ou eu vou ficar doido de verdade. Quem sabe depois das provas... aí a gente conversa... até lá, me deixa em paz!

Pronto! Tinha fechado ela na capa e guardado no armário. Se desse tudo certo, pegaria depois pra uma serenata, quem sabe assim a Amanda voltava pra mim? Por hora... cabeça focada!

terça-feira, 7 de abril de 2015

Começa a melodia...

Decidi pra esta semana fazer algo diferente, um texto por dia, dentro de uma temática, de estilos variados, dependendo da minha vontade. O que vai conduzir essa série? Músicas. Não qualquer música, mas aquelas que me tocaram ao longo desses anos e que hoje são as que conseguem me fazer parar e cantar, que eu colocaria na trilha sonora de um filme da minha vida. Eu vou escolher apenas cinco, o que me dói um bocado, mas serão ótimas músicas para trabalhar. E a de hoje é esta... Unwell, do Matchbox 20, que me fez conhecer a banda e com a qual me identifico tanto. Aproveitem!



Eu estou esperando o ônibus e ele não quer passar, parece que sabe que preciso chegar lá o quanto antes, talvez até já tenha feito a curva, só não quer aparecer porque estou aqui, esperando, e já fazem mais de dez minutos do horário, eu acho que assim eu vou pirar, o que mais falta acontecer?
Sim, eu ouvi tudo isso antes, e não, não acho que seja só comigo, é que é difícil de sentir o que os outros estão sentindo, ainda mais que nenhum deles fala o que passa em sua cabeça, só posso ouvir a minha própria voz, principalmente quando fico sozinho no quarto encarando as paredes e já não consigo mais ter certeza se eu saí de lá ou se estou sonhando com tudo isso e que talvez eu vá ter um pesadelo e antes de acordar eu me veja novamente estirado no asfalto, mas não que eu queira, não quero morrer, só não sei como não pensar nisso, pode me dizer, por favor?
Ah, é verdade, já se foram dois dias que tive minha última conversa de verdade, mas não é culpa minha que meus pais estão me ignorando, tudo que eu queria é que eles me perguntassem se estou bem, o que eles não fazem, pensei que poderia ser por conta das coisas que fiz, e não tenho mais certeza de nada, eu só queria ser compreendido, isso não é pedir muito, não, acho que não, menos ainda do que fazer esse maldito ônibus virar a esquina, será que vai atrasar de novo?
Você acha que pode me entender, mas não quer me ouvir, as coisas que tenho pra dizer, só fica aí, tentando me dar conselhos, como pode, se não é capaz de ficar ao meu lado nem que seja só um dia e ver, eu já não aguento mais falar apenas com as paredes, e olhar para sombras que se formam ao nascer e pôr do sol, já não consigo diferenciar se o dia está começando, talvez eu esteja ficando louco, o que você acha?
É, é eu deveria saber, mas bem, obrigado por pelo menos estar aqui agora, quando você se for, reze por mim, eu logo serei levado embora, esse ônibus vai chegar e estará cheio de pessoas como eu, que não estão tão bem assim, e que serão levados para algum lugar onde poderão cuidar da gente. Será que vou ficar bem?
Obrigado. Eu te amo. Até breve, meu amigo.

Logo você vai ver, como eu posso ser melhor. Não é que eu seja louco, eu só não estou legal. Mas vou ficar. Logo.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

A tensão que corre pela minha espinha

Já sentiu aquele aperto na garganta que não é medo ainda, mas um princípio, que causa um peso no estômago e te força a se encolher, que faz suar as mãos e também gelar os pés? Já teve isso quando via um filme, lia um texto ou via uma daquelas notícias aterrorizantes? Eu tenho uma certa atração mórbida e um guilty pleasure com isso, e várias vezes me arrependi de ter cedido. Geralmente é culpa de creepy pastas, que pra quem não conhece são histórias "reais" de coisas assustadoras, sobrenaturais ou não, envolvendo assuntos populares. Tem de jogos, filmes, situações ou até mesmo de casos como lendas urbanas. Toda Creepy Pasta que li e me arrepiou volta pra me assombrar. E é por conta de casos assim que escrevi o conto a seguir.
Quero instigar medo, causar essa sensação desagradável que traz tanta empolgação, fazer a pessoa ter aquele comichão atrás dos olhos que faz pensar "o que foi que eu li?" e fechar a janela com o gosto amargo na boca. Quem tiver o que comentar, por favor, faça! Quero saber se aticei seu medo. Aproveitem o jantar.

Acidente de Carro

Sarco acendeu o terceiro cigarro naquela noite e leu duas linhas do relatório, depois olhou para o rapaz que não parava de chorar, e voltou ao papel, pegando uma caneta para riscar as coisas que achou que valeriam a pena. O ambiente era pequeno, e a fumaça estava começando a causar crise de rinite no garoto que já estava com o nariz entupido. Precisava de ar, coisa que Sarco não daria. Fazia parte do seu método de interrogatório e pela situação tudo que ele queria era fazer o suspeito confessar o crime e poder ir pra casa.
- Escuta aqui, meu jovem, tu já passou pela mesa de seis só na última hora, não acha que tá em tempo de tu dizer algo que seja verdade, pra gente acabar logo com isso?
- M-ma-mas... eu falei... falei tudo que vi!
- Tá, tá, chega de conversa fiada. Eu quero que tu me resuma... conta o que aconteceu e eu vou escrever alguma coisa aqui e de repente a gente até te libera. Se tua história for boa, dá pra fazer um descontinho, tu paga pro Doni lá na frente e vai embora. Agora... se eu sentir que tu tá me enrolando...
O policial mexeu no casaco, abrindo só um o suficiente pro coldre da pistola ficar à vista. Em vinte e seis anos nunca precisou atirar pra valer, a não ser quando o maluco do sinal parou metade da rua pra gritar pra deus e o mundo que a mulher tava corneando ele e lançar tiro de espingarda pra cima. Por sorte nem precisou matar, mas era sempre bom ter a pistola à mão, dava o medo e trazia o respeito de que ele precisava. Serviu pro guri que tremia todo ficar mais centrado e começar o relato...
“A gente tava apostando racha, coisa boba, uns cinquentinha de cada um e pronto, eu tava com meu Cliozinho, achei que ia faturar uma grana. Só que as coisas não tavam tão bem, tinha vindo um moleque com um Uno tunado, desses que o motor é um ponto quatro, mas o cara mexe na caixa e consegue pegar cento e sessenta numa rua pequena, saca? E aí a galera tava meio grilada, mas tava de boa ainda. Até que chegou o Meleca.
O cara é tudo, menos gente boa. Ele curte umas coisa mais pesada, tá ligado? Desculpa... vô tentar não falar muita gíria nem enrolar. Contece que ele chegou com o Palinho, e o cara é lenda com ele. Vive levando o dinheiro do pessoal nessas apostas. E o Meleca parou e peitou o mano do Uno, avisando que ele ia pegar tudo que o cara tinha conseguido. A treta ficou tão séria que todo mundo parou de correr, conversar e fumar só pra ver a briguinha dos dois. Cada um entrou no seu carro e começou a corrida.
O Meleca começou na retranca, o Uno pegava demais, todo mundo pensou que ia ser de lavada, mas tinha uma curva desgraçada e o Meleca jogou o carro quase reto pra fazer o Uno ter que virar ou iam bater um no outro. Dava pra ver que o cara tava chapado e que não ia aceitar perder, então o Uno se lançou pro lado e lá se foi o Palio atravessar a linha de chegada. Claro que o Meleca saiu do carro cantando de galo, rindo, gargalhando e a gente pensou na merda que ia acontecer. Não deu outra, o Uno veio com tudo pra cima dele e prensou o Meleca contra a parede. A gente começou a gritar na hora.
Tipo, o Meleca virou purê, o cara jorrou sangue pra tudo que é lado e o cara do Uno não parou de acelerar até partir o cara ao meio. Eu tava me mijando já e saindo correndo! Peguei o meu carrinho e tava prestes a dar no pé quando a coisa ficou feia de verdade. A princípio achei que o Uno tinha fundido o motor e pego fogo, mas daí eu vi que o fogo tava saindo das rodas e de dentro do carro. Sabe o quanto isso é louco? Véio... desculpa, senhor... o cara do Uno tava gargalhando lá de dentro!
E daí a gente viu, ele baixou o vidro. Até aquela hora ele não tinha feito nada disso, só tava piscando faróis e estendendo a mão com parte do vidro aberta, mas em nenhum momento a gente viu o rosto dele. E ninguém achou estranho, de vez em quando aparece um doido que prefere não ser reconhecido porque é filhinho de papai e ninguém liga. Mas esse... essa... essa coisa... o rosto dele tava derretido, como se tivesse pego fogo e tinha os olhos vazios como se tivessem caído e a boca dele se abria num corte esquisito, os dentes muito pontudos. E ele só ria, gargalhava que nem o Meleca. E aí ele veio pra cima da gente, com tudo.
Cara, não vou mentir. Eu tava me borrando, nem lembro direito de mais nada, só sei que de repente eu tava voando, tentando fugir, e me joguei de um lado pro outro, mas acho que o bicho me marcou, porque foi atrás de mim que ele veio. Vi ele bater em outros carros e mandar os caras pra vala e o Uno, mesmo arrombado, sair de boa! Que cê acha que eu fiz? Parei? Nada! Tinha que fugir, sumir dali! Eu gritava, tava rezando, pedido ajuda divina!
E rolou a coisa mais estranha, o bicho tava soltando fogo, mesmassim não ficava queimando a estrada. Eu reparei porque teve uma hora que ele passou de mim e veio com tudo pra cima. Eu desviei, né, mas o carro dele fez um cavalinho de pau e ainda assim conseguiu me seguir. Foi aí que ele me encurralou. Eu comecei a chorar pra valer, tremendo de medo, o motor do carro falhou e eu bati na parede. Foi assim que quebrei o braço. Tava sangrando, todo fodido e o Uno colou em mim. Eu vi o monstro saindo de dentro, ele devia ter uns dois metros, e tava vindo pro meu carro. Não sou religioso de verdade, mas nessa hora eu tava orando pra valer.
Ele enfiou a mão pelo vidro e me pegou, puxando pra perto. Achei que ele ia me comer vivo, só que assim que ele segurou meu pescoço a mão roçou no meu crucifixo. Eu uso só poque minha mãe deu, mas eu vi que ele se afastou e pareceu sentir dor. Daí eu comecei a fazer o Pai Nosso alto mesmo e o cara segurou a cabeça e o fogo no carro dele acendeu, tipo, de soltar labareda. Eu não consegui mais parar, até que ouvi o grito, parecia um guincho de caminhão tombando e a criatura explodiu. Senti meu rosto ficar coberto do sangue podre dela e o carro quase foi junto, mas daí ele simplesmente apagou. E foi só nessa hora que a polícia chegou.”
Com a caneta flutuando em cima do papel, Sarco olhava embasbacado, não por conta da lorota, mas porque podia ver nos olhos do rapaz que ele acreditava mesmo naquilo. Haviam encontrado o guri quase morto em um carro batido contra a parede, com um Uno recém-incendiado do lado. Ninguém entendeu como o fogo apagou tão rápido, mas o corpo do motorista não foi localizado. Pelo jeito o carinha tinha ficado traumatizado com o acidente e agora... Sarco coçou a cabeça e achou melhor pedir pra alguém levar ele pra uma cela, mandar chamar uns psiquiatras e ver o que eles fariam.

Acendendo o sexto cigarro, Sarco estava colocando o casaco quando ouviu os gritos e correu pra ver o que estava acontecendo. Parou no meio do corredor tossindo fortemente e percebeu que nem em sonhos aquilo tudo seria fumaça de cigarro. De longe podia ver a cela do rapaz, que tinha entrado em chamas e viu quando ele irrompeu entre as grades, o corpo deformando pelo fogo, os olhos caindo e a boca se abrindo em um sorriso rasgado... e vindo pra ele.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

A dor de uma despedida

Eventualmente eu choro. Não como as pessoas que conheço, que se debulham em lágrimas ou coisas do tipo, mas de escorrer algumas gotas e sentir o corpo tremer. É um defeito meu estranho, uma trava que não permite me expressar. Mas nem por isso eu deixo de ficar triste, de ter angústia, de precisar d de um ombro amigo. Mais uma vez a escrita me serve de tratamento, de válvula de escape e... gente, eu ADORO isso. O texto que trago hoje, e sei que tá bem tarde pra isso, é uma pequena ode às idas e vindas de relacionamentos. Todos ficamos tristes quando acaba, mas sempre há uma chance de trazer algo de bom.

Hora de Partir

O sol se punha naquela tarde com tanta preguiça que talvez fosse meia-noite antes que sumisse no horizonte. As próprias flores, movidas pelo vento, dançavam lentamente, como uma valsa romântica. No imenso jardim apenas duas sombras se destacavam, cobertas por uma árvore de tamanho colossal, tão alta quanto a lua e tão antiga quanto o céu. Abraçadas, embalam um balanço em que não deveria caber nem um adulto, mas comporta-as igualmente.
Lágrimas correm de seus olhos, pensando em todo aquele tempo juntos. Sabem que logo irão se separar e continuar com seus destinos, ocasionalmente se encontrando em um solstício ou outro, mas nunca mais como agora, naquele momento tão especial. A brisa morna se aquieta, tornando-se gélida e logo abrirá espaço para uma pavorosa ventania. Os corpos se apertam para compartilhar o calor.
- Eu não queria te deixar ir. – é o que diz ela e recosta a cabeça em seu colo – Não posso pensar em aguentar os meses que virão.
- Não posso evitar, sabe disso. Se fosse por mim não haveria Inverno ou Primavera, faria calor para você sempre. Te traria os prazeres de uma chuva fresquinha, talvez até torrencial, e teria sempre como tomar um bom sorvete.
- Mas então os casais não teriam seus momentos especiais, e o amor acabaria se tornando só nosso... não quero isso.
- Eu não me importaria em ser mais egoísta. Dizem já que sou o maior de todos mesmo, que trago apenas sede, cansaço e suor...
- Não diga isso. Sabe que te adoram. Sem você as pessoas não sentiriam calores e “calores”. Eu mesma não existo a não ser que você faça as plantas terminarem seu ciclo. Para minhas belas folhas bronzeadas preciso que você dê algum trabalho a elas.
- Mesmo assim... não quero ir.
Ambos encostam as testas. Os cabelos dele, tão loiros e curtos, quase não tocam sua fronte, enquanto os dela, ruivos, caem em mechas manchadas de castanho sobre seus olhos cor de caramelo. Juntos, tão diferentes, parecem se completar. São as íris azuladas, cor de mar dele, que trazem conforto a ela diante dos dias que terá que aguentar o frio e a solidão. Não que seja culpa do belo Inverno, com seus cabelos negros ou seus olhos cinzentos. Mas perto de seu namorado não há como pensar em se entregar ao seu abraço glacial.
- Verão, me perdoe se eu parecer estar gostando. Sabe que em certas horas eu e Inverno estaremos muito próximos.
- Sim, assim como eu e Primavera. Eu confio em você, meu amor, e não importa o quanto eu esteja enciumado, minha paixão por você é mais forte.
- Obrigada... obrigada por tudo. Prometo lhe esperar, e que quando você chegar eu tentarei me lembrar de você. Não deixarei que nosso amor seja esquecido, como vários outros que iniciam em sua estação.
- Eu sei que não. Estou apaixonado por ser apenas culpa do meu fogo.
- Eu também.
- Estou indo, Outono... até daqui a nove meses...
- Eu estarei aqui, nesse mesmo balanço...
- Eu... vou... lhe buscar...

E enquanto o sol finalmente se punha e a lua surgia brilhante no céu escuro, Outono derramou mais duas lágrimas que se transformaram em fractais de gelo antes de quebrarem no chão. O vendaval se aquietou e uma presença gelada denunciou a chegada de Inverno. Era hora de seguir em frente por mais um ano.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Amigos até o fim

Eu tenho bons amigos, bons amigos MESMO, que eu daria a vida por... mas isso é exagero de madrugada, eu os amo e eles sabem disso, eu vivo repetindo. De vez em quando sinto vontade de homenageá-los e dizer coisas que gostaria que eles entendessem, mas nem sempre consigo expressar da forma mais tradicional. Então o que eu faço? É claro, eu escrevo... e foi o que fiz. Criei este texto para unir duas vontades, e uma delas era criar um mundo que tivesse vários elementos que eu gosto, do steampunk ao distópico, e assim fazer uma brincadeira divertida. Sem mais delongas, apresento...

Um fragmento dos heróis de Nova Terra

Uma seta atravessou a porta de madeira, fazendo sangue escorrer do outro lado. Claramente o vigia tivera um triste fim para sua curta carreira, e deixaria pra traz um legado ainda menor se entrassem na sala. As insistentes batidas fizeram com que os dois ocupantes acelerassem o delicado processo de separar as coisas que queriam levar em sua fuga, mas foram interrompidos quando a placa de madeira se partiu com um chute.
O tigre branco saltou com um rugido que silenciou o ambiente, sendo seguido de sua mestra, a caçadora exótica que portava uma besta. Além dela, seus companheiros também entraram, vasculhando o local atrás do objeto que procuravam. Um dos dois mercadores pensou em pegar sua pistola de raios, mas foi interrompido por um golpe brutal do homem que estava com elas, um chute bem aplicado em seu braço, que provavelmente o havia quebrado.
- Você está sendo um incômodo, Jasper. Que tal ficar bem quieto aí enquanto nós procuramos? Mortícia, encontrou?
A mulher de longos cabelos negros remexia em uma gaveta e fez um som de indignação ao tirar uma maleta vazia lá de dentro. Jogou-a no chão e sacou uma varinha energética que apontou para o pescoço de Jasper.
- Não e esse idiota vai me dizer por quê.
- Ahn... pessoal? – perguntou a mecânica que havia entrado por último e utilizava um estranho aparelho-medidor.
- O que é, Naftalina? – perguntou a caçadora já colocando a seta em sua besta.
- Eu acabei de ver, esta é a sala 323.
- E daí? – perguntou Mortícia irritada e encostando a vara no mercador.
- E a sala que procuramos é a 313.
- Droga, mas de novo? – reclamou o monge e saiu bufando.
- Bem, desculpem por isso. – foi dizendo a caçadora e puxando um pedaço da porta para fechá-la – Jasper, Jião, mandem a conta para o escritório. Obrigada.
E assim que eles saíram, ambos os mercadores irmãos se olharam e perguntaram um ao outro.
- Mas que escritório?
...
Enquanto examinavam o orbe, que acabaram comprando do velhinho do 313, os quatro amigos pareciam incomodados. Primeiro um estranho ancião aparecera para eles em um bar, oferecendo uma quantia exorbitante de prata por um amuleto que tiveram de surrupiar de uma cripta na cidade-baixa. Depois o tal ancião fora morto por um cavaleiro negro com problemas de asma que sumira deixando pra traz o medalhão. E aí ele se ativara, revelando a mensagem de uma princesa que pedia para eles a resgatarem e indicava uma esfera que seria na verdade um mapa. Agora olhavam pro protótipo de bola de golfe e se perguntavam se era uma piada de muito mal gosto.
- Isso aqui não serve nem pra peso de papel! Vai sair rolando! – resmungou Mortícia e arremessou o orbe para o tigre.
- Não, não. – disse a caçadora pegando o objeto no ar – Vai fazer muito mal pra você, Vitória.
- Então, o que faremos? – perguntou o monge e pegou uma caderneta da mochila – Não sei se temos algum contato que trabalhe com tecnologia tão antiga.
- Ah, eu conheço um cara. – disse Naftalina – Ele é bom nisso.
- Conhece um cara? Vixi! – disse Mortícia – Seria melhor se fôssemos atrás de um dos antigos amigos da Ártemis.
- Ei! Eu ouvi isso!
- Relaxe, Ártemis. Mortícia só está de mau humor... como sempre. Então, Naftalina, fale desse seu cara.
- Oh! Ele não é nada demais... é só que ele tem uma biblioteca de discos-esfera, e pode ser que ele consiga usar essa coisinha aí! – pegou seu caderno-à-vapor e girou a manivela – Bem, pelas minhas anotações ele deve estar aberto ainda.
- Vamos para lá, então, não acho que seja bom continuarmos nas ruas depois do incidente em Londinum. – disse ele.
Mesmo que não houvesse uma concordância geral, principalmente pelo espírito livre de Ártemis ou a constante braveza de Mortícia, Cárdeo agia como líder nesses casos, já que sua natureza mais centrada o mantinha focado na missão. Sem dizer nada, entraram no trem a jato e seguiram para uma das asas norte de România. Sentados no vagão, com Vitória aos seus pés, eles não encaravam os outros passageiros, que se mantinham longe e assustados. Ártemis alisava o pêlo da tigresa quando Cárdeo tocou em seu ombro.
- Se estiver lhe incomodando isso tudo... podemos fazer alguma outra coisa.
- Ahn?
- Só quero dizer que... você não é obrigada a vir com a gente.
- Mas ninguém me obrigou!
- Tudo bem, Ártemis, só queria dizer isso...
- Se quer dizer alguma coisa, fala direito.
- O que ele quer dizer é que tá afim de sair com você, sua anta! – respondeu Mortícia e então encostou a cabeça no banco – Agora me deixem cochilar e só me acordem quando chegarmos lá!
- Vocês humanos são tão complicados. – comentou Naftalina evoltou a mexer em seu caderno-à-vapor – Chegaremos em menos de dois ciclóns.
O grupo voltou ao silêncio e nem Ártemis nem Cárdeo voltaram a se olhar. Mais tarde, quando chegavam ao destino, o monge segurava bem a soqueira de metal-santo que recebera de seu mestre e beijou-a antes de bater à porta do “conhecido” de Naftalina. Um senhor baixinho, muito pequeno mesmo, abriu-a e olhou para todos com admiração antes de fechar a porta em sua cara.
- Simpático seu amigo, Nafta. – disse Mortícia.
- Não entendi essa...
- Tudo bem, vamos fazer do meu jeito. – disse Cárdeo e então encostou sua arma na porta, pressionando-a – Senhor, por favor, abra ou teremos que invadir.
- Vão embora! Não quero falar com gigantes!
Cárdeo olhou para as três. Apesar de ser alto, ainda era normal para os padrões da época, e suas companheiras não poderiam ser consideradas acima da média.
- Ahn... acho que o senhor não entendeu...
- Ou abre essa joça agora ou a gente vai entrar, te matar e te comer, seu anãozinho! – berrou Mortícia – Ou pior, a gente te dá pra Vitória brincar!
- Por favor, não fale assim da minha gata. – pediu Ártemis – Ela é um doce.
- E tem dentes gigantes, vai né.
- Não estão ajudando meninas. – disse Cárdeo.
Mas a porta abriu e tremendo o homem baixinho olhou para todos.
- Por favor... me deixem em paz...
- Arquimedes, não fique assim. Sou eu, Naftalina Augusta Tímber III.
- Naf... Augusta!!! Oh, por todos os dez deuses, eu não a reconheci sem seus óculos de rubi e sem aquela engenhoca de seis pernas!
- Bem, eu tive que deixá-los em Londinum desde que...
- Caham, senhor Arquimedes, nós viemos até aqui para pedir auxílio. – interrompeu Cárdeo antes que ela dissesse algo perigoso – Naftalina nos disse que você possui aparatos para reproduzir discos-esfera e precisamos muito ver o que há nesse aqui.
E mostrou o orbe acobreado. Assim que pôs os olhos no objeto, Arquimede pareceu pular como um coelho, muito empolgado.
- Sim! Sim! É um ATX-300, modelo excepcional! Nunca vi fora de um museu, mas é... como conseguiram um desses?
- Nós... o confiscamos em uma missão importante. – respondeu Naftalina, surpreendendo os companheiros. Geralmente ela só falava a verdade.
Ela olhou pra eles como se dissesse “Ei, meia-verdade não é mentir, não é?!” e todos ficaram quietos. Ártemis se adiantou e colocou a mão no ombro do velhinho.
- O senhor conseguiria ativá-lo para nós?
- Oh sim! SIM! Por favor, deixem-me vê-lo funcionando! Sabem, o ATX-300 é o único que pode reproduzir imagens e som em alta frequência, e ainda por cima consegue reproduzir cheiros! Já imaginaram como é? Ou melhor, verão! E sentirão!
Um tanto enojados com a ideia, os quatro entraram na casa de Arquimedes que, para seu azar, seguia o padrão do dono. Apesar das garotas não terem de se curvar tanto quanto Cárdeo, estavam com dificuldade de andarem ali dentro e logo ocuparam um espaço no sofá circular dele, em volta do reprodutor. O anão cravou a esfera no centro e apertou alguns dos seus círculos, ativando algum código-fonte que a fez girar até abrir um pequeno facho de luz em direção ao teto. A imagem de um homem nú ocupou a visão deles.
- Oh, não! Tira isso! Tira! – pediram em uníssono.
- Desculpem! Deve ser uma falha na programação! – disse Arquimedes e apertou outros círculos, fazendo aparecer as roupas do homem – Ah, bem melhor!
“Intrépidos viajantes que roubaram esta esfera...”
- Como ele sabe disso? Ai!
- Quieta, Mortícia. – disse Ártemis impedindo que ela confessasse tudo.
“... vocês não fazem ideia do mal que desencadearam...”
- Pronto, a gente estourou o Apocalipse. – disse Naftalina e abraçou a cabeça -  E eu nem terminei meu foguete para ir à Lua!
“... quando me tiraram do meu sono...”
- Peraí... então ele estava dormindo? – perguntou Ártemis – Ele está VIVENDO aí?
“...no ano de 1493 b.T.”
- Isso não foi há... uns vinte anos? – perguntou Mortícia.
- Você nem sabe em que ano está? – rebateu Ártemis.
- Não... bem...
- Isso quer dizer que esse começo de mensagem não foi pra gente. Legal. – disse Naftalina.
“Agora terão que percorrer meu Labirinto Perpétuo e impedir que o mundo acabe... algum dia.”
- Isso não pareceu tão... assustador. – disse Cárdeo.
- É... foi bem vago. – comentou Ártemis.
- Então, a gente pode ir embora? – perguntou Mortícia.
“Em vinte mil, duzentos e treze ciclóns a Terra encontrará seu fim sob a Ira do Monstro do Labirinto quando ele chegar ao Núcleo!”
- Ahn... quanto dá isso?
- Daqui a três dias. – respondeu Naftalina.
Arquimedes saltou de onde estava, foi até a esfera, a pegou, entregou para Cárdeo, saiu da sala e voltou carregando um chapéu e uma mala pequena. Deixou as chaves na mão de Naftalina e se dirigiu à porta.
- Até mais, crianças!
- Espere, Arquimedes! Onde você vai?
- Vou para Habanana, aproveiter meus três últimos dias! Talvez arranjar uma esposa e fazer um menáge a trois enquanto aposto toda minha grana em um cassino. De preferência morrer alcoolizado antes do Monstro chegar!
E bateu a porta, deixando-os sozinhos.
- Ah! – disse abrindo-a em seguida – E podem aproveitar essa espelunca! Façam como quiserem! Adeus!
E fechou de novo.
- Então... o que faremos? – perguntou Naftalina.
- A resposta é óbvia. Vamos morrer!
- Acalme-se, Mortícia, ainda há esperança. – disse Cárdeo.
- Ah, é? Qual?
- Podemos entrar no tal Labirinto e tentar impedir o Monstro!
- E você por acaso sabe onde fica isso?
“A propósito” soou a voz vinda da esfera “a entrada mais próxima fica nas coordenadas 34,5, 45,2, leste” e desligou-se novamente.
- Certo... agora sabemos onde é. Satisfeita?
- Eu que não vou me aventurar nisso aí!
- Eu também não sei... não quero arriscar a vida de Vitória.
- Pode não haver vida depois de três dias, Artie. – disse Naftalina – Eu acho que é melhor arriscar.
- Argh! Não! – reclamou Mortícia – Eu vou ver se tem alguma bebida nesta casa!
E saiu.
- Bem, talvez seja melhor nós realmente irmos descansar. Se formos até esse Labirinto, precisamos decidir logo, mas também estarmos preparados fisicamente. – disse Cárdeo – Procurem os quartos e se alojem. Eu vou ficar na sala mesmo.
Haviam apenas dois quartos, sendo que um deles tinha uma cama que mal cabia uma pessoa, mas na qual ficaram Naftalina e Mortícia. Ártemis ficou com o outro quarto, para que Vitória dormisse aos seus pés. Assim que todas estavam tranquilas, Cárdeo deitou-se no sofá, ocupando-o por inteiro e ainda com os pés de fora. Olhava para o teto pensando em tudo que já tinham enfrentado. Iriam ganhar mais essa, tinha certeza, só que... doía-lhe pensar que elas se arriscariam de novo.
De repente ouviu passos no corredor e já pegava sua soqueira quando Ártemis surgiu, coberta por sua capa de viagem. Ela trazia um copo d’água e parecia estar triste, mas sentou-se ao seu lado, no chão, sem dizer nada. Pegou sua mão e a acariciou, silenciosamente.
- O que foi? Teve um pesadelo?
- Ainda não consegui dormir. Estive pensando em tudo. Nessa... aventura...
- Eu sei, é complicado, mas vamos conseguir e...
- Tem certeza? E se falharmos? Lá em Londinum quase morremos!
- Eu sei, mas não podemos fracassar agora. E não iremos.
- Tenho medo, Cárdeo. Muito medo.
- Eu estou aqui por você, Ártemis. Sempre estive e... sempre estarei. Se me deixar fazer isso, claro.
Ela olhou pra ele e então subiu no sofá, ficando com as pernas em volta da cintura dele. Cárdeo descobriu rapidamente que ela estava SÓ com a capa de viagem.
- Eu vou deixar, pode contar com isso.
E tirou a última peça de roupa, revelando seu corpo malhado do combate, coberto de cicatrizes e ainda assim tão belo. Cárdeo o admirou por completo e levou as mãos aos seios dela, massageando seus mamilos.
- Gosta?
- É parte das mulheres que mais gosto.
- Então os pegue... MEU caçador.
No quarto, Mortícia e Naftalina ouviram os sons que eles produziam na sala e se entreolharam. Ambas ficaram em silêncio, apenas apreciando o momento, mas antes de dormir beijaram-se suavemente e cumplicentemente. Se morreriam logo, queriam compartilhar de alguma coisa especial. Pela manhã, todos estavam quase satisfeitos. Ártemis e Cárdeo caminharam de mãos dadas um pouco, até que Naftalina e Mortícia os viram. Estavam vestidos para o combate.
- Então é isso né? Sem escolhas! – reclamou Mortícia.
- Nós fizemos uma escolha, Mort. Nós vamos tentar salvar a Terra... de novo. – disse Cárdeo.
- Só quero dizer que amo todos vocês. – disse Naftalina e deu um beijo em cada um – E vou estar orgulhosa se caírmos batalhando.
- Não vamos cair. – disse Ártemis e então deu as mãos para Cárdeo e Mortícia e beijou longamente ambos – Estamos aqui para vencer.
- Claro que vamos vencer. – respondeu Mortícia um tanto corada e deu a mão para Naftalina, dando mais um beijo nela – Estamos juntos.
- Vamos? – perguntou Cárdeo.

- Vamos. – responderam as três.

terça-feira, 31 de março de 2015

Muitos medos

Recentemente por um amigo eu fiz uma viagem, uma grande viagem, e fui até Brasília de avião. Eu não voava há... nossa, não sei desde quando, só lembro de umas pequenas coisas da minha infância, devia ser pequeno demais pra registrar tudo. Tinha o gosto do suco de laranja, a sensação da bandeja e uma vista rápida da janela. E só. Agora eu revisitei essas lembranças em um passeio bem tenso que fiz, e que despertou alguns medos antigos. Cara, que tenso! Quando cheguei precisei registrar o que senti e corri pra escrever esse conto. Não é o meu favorito, mas transmite BEM o que eu passei...

Malditas asas que não batem

Não foi a tremedeira, o bater de queixo ou as mãos geladas que denunciou meu nervosismo, não, com certeza foram os doze longos minutos que eu passei olhando pro encosto da poltrona da frente, cronometrando o tempo de aterrissagem. Apaguei por esse tempo, minha cabeça era um relógio preciso, repassando mentalmente imagens dos filmes que vi, das notícias que li e os números nas listas de sobreviventes de acidentes aéreos.
O terror havia tomado conta de mim e, não fosse uma mão insistentemente apertando meu cotovelo ou a voz que me chamava eu teria ficado ali mesmo, meu corpo descendo e o espírito subindo, pra algum lugar lá em cima que não sei onde. Ao menos espero que suba, e não... bem, seria por pouco tempo. Tão logo saímos do avião eu corri para o banheiro para devolver aquelas bolachinhas que nos deram como “serviço de bordo”. Brincadeira, viu? Depois de esperar duas horas e meia pelo atraso, perto do meio dia, tem coragem de nos servir um petisco desses pra acomodar nossos estômagos durante a viagem.
Saí com o rosto e a alma lavados, parte de mim ficara naquele bacio, e já havia me recomposto o suficiente para engatar em uma conversa quando ouvi a célere frase:
- E Tadeu, não esse esqueça que tem a volta...
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Eu poderia morrer, tranquilamente, e ninguém sentiria falta. Os motores não haviam ligado e já colara as costas encharcadas na poltrona, os olhos vidrados na telinha dos avisos de decolagem. Que se dane se alguém fumar! Isso caindo, não vai ter pulmão sadio que salve ninguém! Diacho, bem provável que EU comece a fumar agora, meus pulmões já estão se acostumando a puxar muito ar. Será que estou hiperventilando?
As janelas são tão pequenas... e parecem tão frágeis! Será que eu conseguiria escapar? Vejo marcações de saídas de emergência que poderiam muito bem indicar porta para o céu, de nada me valeriam. E essas máscaras de oxigênio... o que menos preciso fazer agora é respirar! Lá fora o céu tá tão claro que só vejo o branco, o que é ainda mais assustador. Sério, quem disse que nuvens são bonitas é porque nunca esteve ao lado delas, porque daqui me parecem blocos de fumaça mortal que faz a nave chacoalhar. Estou tremendo tanto que mal consigo segurar o copo para tomar meu remédio.
- Tadeu, acalme-se. – diz dona Suely, que é quem ocupa o lugar ao meu lado nesses casos.
A senhora que me perdoe mas, nesses casos, a calma que se exploda. Não, espere, sem explosões, nada disso. Escuto um som estranho e olho para as asas, as quais parece que vão desmontar. Oh Meu Deus! Por favor, não, não! Tudo menos isso!
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- Tadeu, assim não dá. Você não pode pedir pra tomar um calmante tão forte.
- Desculpa, César, mas de outra forma não vai rolar. Eu PRECISO apagar, ou então eu vou ter um treco em pleno ar.
- Você vai ter que aguentar, só digo isso. Vai lá, senta no teu lugar e segura o tranco. É a última parte do percurso.
Mas não é assim simples, César. Eu nem havia me ligado que faríamos conexão em São Paulo, e por quê? Dá pra ir de carro até o Rio e nem demora tanto tempo assim! Deus, eu só quero estar em casa. Não vou mais reclamar de trabalho, sem mais viagens de negócio, até paro de trair minha esposa! Ah, ah... o quê... o que é aquilo? Vai furar a asa do avião, vai...
- CUIDADO PILOTO!!!!
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- Tadeu era um bom amigo, é uma pena que não resistiu ao vôo...
- Falando assim, César, vai parecer que ele morreu no avião. O cara só desmaiou.
- Eu sei, Jorge, mas tem que entender, desse jeito não vai rolar aquela promoção. Pior, eu posso ter que despedi-lo, onde já se viu vendedor que não consegue chegar no compromisso na hora porque não viaja de avião?
- É, pois é...

Mas Tadeu não reclamou. Em seus sonhos caóticos, causados pelo medo, ele estava muito feliz abraçado com a esposa em um canteiro no meio de uma campina com árvores em volta. Bem tranquilo. Perto do chão. Em paz.