sábado, 26 de janeiro de 2019

Beastars - Uma metáfora colegial arrebatadora

Em vários anos lendo mangás, tive muitas boas surpresas e muitas decepções também, normalmente gosto de ler coisas diferentes, tentando encontrar obras que fujam do padrão shounen ou shoujo. Eventualmente descubro leituras agradáveis, rápidas e que se tornam esquecíveis, mas cuja experiência é, no mínimo, relaxante. E ás vezes... aparecem coisas como Beastars, que é um soco no estômago a cada capítulo, completo com personagens interessantes, uma narrativa agoniante e um suspense de dar nó. Uma delícia que está chegando ao Brasil pela editora Panini.

A trama principal ocorre no colégio Cherryton onde um estudante é assassinado e ninguém tem um suspeito, afinal, o colégio é lotado de "carnívoros". Legosi, um desses, é membro do clube de teatro e apesar de ser grande e parecer violento é um doce de pessoa. Um dia ele encontra Hal, uma garota muito pequena que tem uma aparência inofensiva, mas uma personalidade difícil e cheia de camadas. Apesar de se deixar envolver com Legosi, Hal tem um caso com a estrela do clube de teatro, Louis. Tudo bem japonês, a não ser pelo fato que Legosi é um lobo, Hal uma lebre e Louis um cervo... ah sim! E o assassinado foi uma ovelha de nome Tem.

O uso de animas antropomórficos como metáforas para estereótipos dos mangás é genial, com direito a várias referências ao padrão de divisão da sociedade. Os carnívoros e os herbívoros convivem no colégio mas há uma linha tênue no relacionamento deles que torna a vida escolar uma bomba prestes a explodir. Se por um lado Legosi se preocupa com sua atração por Hal com medo de comê-la no sentido literal da coisa, Hal está curiosa e ao mesmo tempo em pânico com a ideia de deixar ser comida... no sentido bíblico. A rivalidade de Legosi e Louis então, é uma mistura interessante de disputa de popularidade com a dominância do mais forte. Legosi é um monstro lutador, Louis é um astro de inteligência mordaz. E mesmo assim, fica óbvio que ambos são grandes amigos apesar de adversários.

O Belo e a Fera
E quando se pensa que a trama já entregou tudo que podia nós temos uma reviravolta, e outra, e outra. O mercado negro, o guardião que encontra Legosi, a máfia dos leões, a "outra loba", cada arco de Beastars é muito denso, cheio de personagens interessantes e muita tensão. Eu tinha até esquecido do assassinato do Tem até que a história joga na sua cara a resposta e ao mesmo tempo que ela parece simples há toda uma discussão sobre amizade e fome, dos mais diversos tipos. Mais uma vez, a metáfora quanto ao mundo animal é bem explorada.

Claro, Beastars não é perfeito, ás vezes algumas soluções apresentadas parecem até estúpidas, e temos personagens que, mesmo tendo sua importância, acabam relegados à diálogos ou atuações pífias como o Jack, melhor amigo de Legosi que aparece de vez em nunca. Por mais que eles se conheçam desde a infância, Legosi nunca procura Jack por conselhos ou pra ajudá-lo, talvez querendo proteger o labrador, talvez porque Legosi seja muito o lobo solitário. Mas isso não impede Jack de dar uma mãozinha, mesmo sem querer.

Cada encontro entre Legosi e Hal é bonito e também difícil de engolir
Duas coisas me surpreenderam pra valer em Beastars e me motivaram a recomendá-lo: uma envolve a vida pregressa de Louis e o passado de Legosi, que acabam se ligando ainda que de uma forma bem sutil. Sem dar spoilers, ambos tem problemas muito sérios em sua criação e é difícil dizer quem teve a infância mais zoada. A segunda coisa foi o cuidado em ser um mangá adulto mas sem apresentar características típicas dos seinens que se levam muito a sério, como a hipersexualização ou o gore exagerado. Estamos falando de animais que tem instintos primitivos de caça e sim, ocorrem lacerações, batalhas violentas e mortes, mas não tem sangue sobrando nas páginas ou violência gratuita só para saciar a sede de jovens que se divertem com a dor alheia. Em Beastars uma luta pode ser vencida com um golpe mortal ou uma palavra bem usada. Como no mundo real.

Amor adolescente: Sério e brutal
Na parte técnica tenho que exaltar o traço de Paru Itagaki, a autora consegue dar expressões muito humanas em rostos animalescos e transmitir todo tipo de emoção, de medo à tesão, de dor à prazer. E seu texto é muito dinâmico, do tipo que permite diálogos sagazes seguidos de piadas que não são do tipo mais normal, mas que exaltam a personalidade confusa dos adolescentes em costumeira confusão da idade. É o único trabalho que vi dela, então acredito que seja seu primeiro. Assim sendo começou muito bem! Publicado desde 2016, o mangá conta com atualmente 11 volumes e continua em circulação.

Beastars chegará em breve (tão breve a Panini permitir) e se você estiver procurando algo pra colocar na sua lista de leitura recomendo que dê uma chance. Provavelmente não vai se arrepender.