segunda-feira, 1 de abril de 2013

Desentocando

Há alguns anos eu tentei publicar contos em outro lugar, no Nyah! Fanfiction, e entre fics e outros textos como um desafio feito por leitores de lá, acabei colocando alguns dos contos mais divertidos que escrevi, mas como papéis em uma gaveta, esqueci por lá. Hora de trazê-los de volta ao mundo. Quem quiser dar uma olhada, meu perfil no Nyah! é este. Alguns dos contos trarei pra cá, como este, que deve ter uns quatro ou cinco anos, acredito, e relendo eu penso que hoje escreveria diferente... Mesmo assim, gostei muito e espero que vocês também!

Aceita um Cigarro?


O ar estava ficando embaçado. O excesso de gás liberado pela enorme atividade da metrópole criava uma neblina escura e fedida acima dos prédios. Foi preciso utilizar uma mira para encontrar o alvo. Dois puxões no gatilho e pronto. Estava terminado o primeiro trabalho daquela noite.
– Você não sente remorso por isso não? - perguntou seu companheiro, entediado ao seu lado.
– E por que sentiria? É só mais um trabalho. - ele respondeu, desmontando os acessórios da arma que carregaria nas costas.
– Ora, é mais uma vida que você tira. Essa pessoa era importante para alguém. - ele respondeu. Não que realmente acreditasse nisso.
– Mas não para mim. É por isso que eu sou um atirador de elite, para não me envolver com ninguém. Sempre de longe.
– Isso é frio, cara.
– É preciso ser frio para sobreviver treze anos que nem eu. - e olhou o relógio preso ao bolso - Na realidade, catorze na semana que vem. Os trabalhos dessa noite vão me garantir isso.
– Catorze anos? Matando gente?
– É claro que não! Que tipo de animal irracional você acha que eu sou? Eu só mato há dez. Me esforço para que não seja preciso matar demais. Por isso que sou tão difícil de encontrar... Como seu chefe veio a descobrir. - ele sorriu, um sorriso de hiena. Engraçado e mortal.
– Sei...
O silêncio se instalou, enquanto eles percorriam a distância entre o local de onde ele havia atirado e onde estava seu carro. Por algum motivo o amigo com a arma não lhe passava mais confiança.
– Você disse que tinha mais trabalho essa noite? - ele perguntou, irrequieto.
– Para falar a verdade, só mais um, mas eu posso esperar antes de fazer. Não tenho pressa. Quer beber alguma coisa?
– Pode ser...
Os dois ficaram quietos mais uma vez e entraram no carro. Lá dentro a arma foi desmontada até caber em uma maleta. Ele carregaria a maleta pelo resto da noite.
– Eu... Posso saber seu nome de verdade? Afinal, Corvo não pode ser um nome. - ele tentou se aproximar do colega.
– Você primeiro, meu caro. - ele sorriu desafiador.
– Você deve saber. Eu sou Carlos Oliveira. - ele respondeu e algo no olhar de Corvo o fez se arrepiar.
– Meu sobrenome é Crow. Corvo em inglês, sabe? Daí vem o apelido. Meu nome é Gabriel.
– Gabriel Crow? Não é o nome daquele garoto...?
– Que quase morreu durante o treinamento há quinze anos? Sim... Eu fui o único a ficar perto da morte durante aquele mês. Ah, bons tempos. - e ele riu, um riso sem graça alguma, um riso que faria a própria Morte ficar preocupada.
Eles pararam em um bar um pouco depois. Gabriel entrou primeiro e pediu algo forte para beber. O garçom trouxe um concentrado de whisky e mais alguma besteira. Carlos bebeu apenas gim tônica.
– Você não tem estômago? - Carlos perguntou olhando Gabriel beber goles inteiros daquela gororoba.
– De jeito nenhum. Eu posso matar cinco em uma noite e transar, comer e beber como se fosse meu aniversário. Passei por coisas piores nesses catorze anos do que você passaria hoje, garoto. Coisas que me permitem aproveitar cada noite como se fossa a última. - e acrescentou ao ver a incredulidade do parceiro - E não ache que só falo da boca para fora não. Eu faço.
Gabriel começou a encarar o espelho a frente deles e seu rosto ficou sério. O tipo de seriedade que dá medo de ver você próprio demonstrar.
– Carlos, vem comigo. - ele disse, levantou e pagou as bebidas.
Seguiram para a porta lateral, saindo em uma ruela. Gabriel tirou um maço de cigarros do bolso e ofereceu à Carlos, que pegou um. O próprio Corvo acendeu o cigarro e virou o rosto para o céu, observando estrelas e lua.
– Me diz um negócio, garoto... Qual foi a sua maior burrada?
Carlos não respondeu. Ele estava muito nervoso.
– A minha, se você quiser saber, foi querer entrar nessa vida. Claro, eu tinha a escolha de morrer. Mas preferi viver e deixar que outros morressem por mim. Cada vez que mato me arrependo um pouco. Uso o pseudônimo de Corvo porque sou o mensageiro da Morte. Poucos me conhecem pessoalmente e vivem um dia a mais.
Oliveira caiu de joelhos, incapaz de olhar diretamente para o Corvo.
– Eu sei qual foi sua maior burrada, garoto. Foi acreditar que você fora enviado para me matar. Isso é meio que impossível para alguém com escrúpulos, como você. ELES me contrataram para eliminar você. Era o último que eles precisavam para dominar os negócios de seu tio. Sem você, não há mais herdeiros sanguíneos. Pelo menos nenhum que tenha idade para seguir com o império que seu tio estabeleceu. - ele tirou a pistola de dentro do terno. - Sinta-se feliz, eu gostei de você. Eu não fumo, mas cada um desses cigarros tem uma droga única que vai tirar toda a dor. Para falar a verdade, se eu deixasse você aí provavelmente morreria de qualquer forma. Como disse, gostei de você, então vou lhe fazer um favor.
Engatilhou a pistola. Não seria preciso mirar. Dois tiros, como os que mataram seu primeiro alvo aquela noite, e estava acabado. Chegaria aos catorze anos de profissão.
– Eu lhe falei: É só mais um trabalho.

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