quinta-feira, 18 de abril de 2013

A Rotina das Ideias Desperdiçadas Reutilizadas

Nem sempre o que escrevo se inspira em algum pensamento aleatório, ás vezes simplesmente capto a ideia de alguém e após um "Posso usar isso, por favor?" tenho em mãos o material necessário para conseguir trazer à tona um texto novo, uma história, curta ou longa, que não fui eu quem deu a vida, mas quem ensinou como ler e escrever e lancei ao mundo. O conto de hoje é um desses, uma historieta tirada de uma ideia da Ann que ela me mostrou certa vez, e que espero que ela também revele a vocês algum dia, sobre escolhas, sobre a prisão que elas são e sobre voltar a uma rotina que, alguma hora, vai se quebrar. Acompanhem a saga de um apaixonado diante de um perigo que ele não sabe, mas cresce do alvo de sua paixão.

A foto também é da Ann, do deviantart dela, que eu acho que é a locação perfeita pra este e outros contos de bar.




Maldição

Hoje é terça-feira, meu dia de perdição. Sei o que faço, sei o que fiz, e sei que farei de novo. Mesmo que me consuma, mesmo que apodreça ou vire pó, não consigo me desfazer... Do cheiro, do gosto, da visão, de sensação nenhuma. Estou viciado, aprisionado pela minha sede, pelo meu ardor, uma maldição tão ou pior que a que me faz acordar somente à noite, todas as noites, quase seco, quase morto. Mas nunca morto realmente. Ás vezes queria ser morto, para não ser apunhalado pela minha vontade. É sempre às terças.
Eu a vejo sair, de vestido vermelho, azul, violeta ou carmesim. Ela já escolheu um branco, certa vez. Eu o rasguei e ela acredita até hoje que foi por conta da bebedeira. Por pouco ela não voltou mais àquele bar. Mas eu não podia deixar, não o nosso santuário, nosso local abençoado. Terças, às dez. Ela não lembra, claro, não teria como. Eu precisei de muito empenho para colocá-la na rotina. Na primeira vez que ela esteve lá eu ainda não a conhecia. Fora com amigas, e pude apenas aproveitar o esplendor de sua presença enquanto encantava um lanchinho. Nas terças seguintes eu me aproximei, aos poucos, como manda o manual. Após quatro ou cinco drinques, a arrastei para sua casa. Foi fácil de identificar, o rastro era tão forte que nem precisei de telepatia.
Preparei para me despedir dela naquele momento, não fosse a paixão em seu olhar. Eu queria apenas seu sangue, mas tive seu corpo. Arranquei dele o vestido azul-marinho, que ela jogou fora depois, e parei alguns segundos para admirar sua pele alva em contraste com a lingerie escura, que de pronto também tirei. Mesmo embriagada ela tomou o controle da situação e inverteu nossas posições, me deixando sentado na ponta da cama. Com mãos pequenas e ágeis me desfez da camisa preta que havia escolhido somente para ela. Mais rápida, me tirou a calça e a cueca, me deixando nu, não fossem as meias, que eu mesmo joguei longe. A boca abriu um caminho do meu pescoço, ó inglório alvo, até as regiões baixas. Pela primeira vez em anos, eu suspirei.
Ela nunca reclamou do gelo da minha pele, pouco mais pálida que a dela, ou dos meus hábitos engraçados na cama. Evitei ao máximo usar de força, sabendo que não teria como sumir com as marcas, mas... Quer saber, foda-se, eu vou aproveitar e dar a nós dois o prazer merecido. E essa foi só a largada. Como relógio, toda terça eu aparecia no bar, trocando de roupa, estilo e até mesmo cantada, deixando-a extasiada com papo sobre assuntos do seu trabalho ou o filme da semana. Depois de um tempo ficou fácil, óbvio, eu já sabia o que ela falaria. E ao final, com os olhos profundos da minha espécie, eu ordenava que ela esquecesse.
Um dia disse a mim: Quando quiser eu paro. Não a mato porque não quero. Não é que eu não queria me livrar dela, é só porque está bom assim. Tudo mentira. Eu me apaixonei por essa mulher. É só dela que o sangue vem gostoso, é o corpo dela que me impede de esquecer o que é ser mortal. Eu, que já bebi de tantas e até de uns, não consigo deixar de beber dela. Posso estar cheio de saidinhas no domingo ou sábado, mas não ligo, eu não deixo de ir ao bar nas terças. Só que aconteceu um negócio engraçado na terça passada. Eu posso jurar que ela já esperava por mim. Impossível, claro, ela não saberia. Eu fiz questão de ser o mais discreto, todas as vezes. Dominei garçons, evitei dias que ela foi acompanhada, até dei sumiço em alguns caras que tentaram ficar no caminho, o que me impediu de beber a dose semanal um bocado de tempo.
Mesmo assim, naquela semana ela não pediu a bebida até que eu entrei, meia hora depois, como estipulei. E também não pareceu espantada que eu soubesse de sua coluna no jornal. Ignorei tudo, desde que pudesse sair de sua cama logo antes do amanhecer. Como ela nunca estranhou que tivesse amantes que fugiam assim, não sei... E lá vem ela... Entrará no bar em segundos. Adorei a escolha das vestes. É aquele vestido preto que é tão fácil de tirar. Espere... Ela me encarou aqui em cima, no parapeito? Não pode ser... Não, ela só olhou para a lua. É, é isso... Maldição, é terça-feira e estou aqui de novo. Até quando, até quando iremos aguentar?

2 comentários:

  1. Eu me sinto muito bem quando você escreve com algo que eu te passei, me sinto muito orgulhoso. É como se um pouquinho dele se tornasse minha! ^^ E me sinto muito feliz de ter um clique meu ilustrando aqui! Essa foto só pode ser feita por sua causa, que me levou até o Bar Cine York para lhe acompanhar num trabalho da faculdade... Mas olhando hoje pra essa foto dá aquela sensação de "podia ser bem melhor". XD

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    1. Bom, a foto estava ótima pro conceito que ela queria passar... E quanto ao texto, eu tenho orgulho é de saber que você também tem essa verve escritora e que consigo transparecer a minha inspiração por você de um jeito que goste. XD

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