Eu tenho um problema com o senhor Brandon Sanderson. Quando comecei a ler este livro, ganho pela Amazon Kindle, eu o abandonei duas vezes até resolver que queria ver mais. Os primeiros capítulos me soaram maçantes, com um protagonista que não me convencia e um mundo que não me cativava. Mas, ah... como eu estava enganado sobre quanto gostaria de Kelsier, Vin e do resto da gangue...
Em resumo, o Império Final da Série Mistborn é uma Terra Média com esteroides e tecnologia, ainda que arcaica. Nós temos um Domínio Central controlado pelo Senhor Soberano, imperador E Deus deste mundo, e dezenas de nobres controlando o povo oprimido, aqui chamado de Skaa. Para manter seus nobres na linha, o Senhor Soberano (Lord Ruler em inglês, uma tradução fantástica) utiliza de obrigadores, servos leais a ele que detém um poder religioso através do Ministério do Aço. Se a vida de escravidão não fosse o suficiente, o Senhor Soberano é um ditador milenar que sufocou qualquer outro tipo de crença que não a em si e tornou os Skaa completamente devotos e temerosos, protegendo-os das brumas que aparecem ao anoitecer. Neste mundo preso a ferro, surge Kelsier, um Nascido das Brumas, dotado de poderes e de um plano mirabolante para derrubar o Senhor Soberano e libertar o povo.
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Kelsier usando poderes alomânticos para derrotar um Inquisidor |
No outro ponto da trama temos Vin, uma garota que teve uma vida bem sofrida e hoje trabalha na gangue de ladrões do Camon, um trapaceiro de meia tigela que tem intenção de roubar do Ministério do Aço, o que é, claramente, uma péssima ideia. Durante o plano os caminhos de Kelsier e Vin se cruzam e a trama começa a funcionar. Kelsier salva o grupo de Camon de um Inquisidor do Aço e de quebra toma conta do local, assumindo Vin como sua protegida, para surpresa e desconfiança dela, e logo surgem os outros membros da gangue. Hammond, o brutamontes; Brisa, um abrandador; Trevo, esfumaçador; e Yeden, líder dos revoltosos, com quem Kelsier faz um pacto para executar seu plano.
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Vin na estonteante arte de Alex Allen |
Agora, pontos fortes da obra: personagens cativantes. Não só Kelsier e Vin, reais protagonistas da série, mas Docks, Ham, Brisa, Trevo, Yeden, Fantasma, Sazed, até mesmo Elend... todos vão se mostrando interessantes e divertidos de acompanhar. Em Mistborn a narração não se trava em um personagem só e ás vezes acabamos seguindo por cima do ombro de algum dos outros, o que faz que possamos entender melhor como certos eventos ocorrem. Outro ponto forte: trama política bem desenvolvida. Diferente de outras obras fantasiosas, em Mistborn a política é quase palpável, parte do plano de Kelsier inclusive depende das reações esperadas dos nobres. Quando Vin é colocada para lidar com eles, vemos a riqueza da construção de mundo de Sanderson.
Último ponto forte é como os detalhes são descritos, sem se tornar enfadonho, e nos permitindo visualizar o cenário e personagens. Em minha mente eu imaginava a movimentação dos brumosos, as batalhas de Kelsier, os locais da cidade que tem um estilo entre a Idade Média e o Vitoriano. Daria um bom material para RPG, aliás.
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Arte das três capas da série: O Império Final, Poço da Ascensão e O Herói das Eras |
A outra é quanto ao teste de Bechdel, e essa me irrita. Vin é uma personagem interessante, toda sua trajetória no primeiro livro, se descobrindo e aprendendo a confiar, a torna não somente querida, mas admirada. É lindo ver seu crescimento e como ela deixa de pensar no que poderia feri-la e passa a reconhecer as coisas que gosta. Só que, tirando a parte boa, do aprendizado e da liberação de traumas, ela acaba sendo construída cercada de homens e com um modelo bem patriarcal. Eu lembro de apenas DUAS personagens com quem ela conversa no primeiro livro e nenhuma delas se torna uma conexão realmente importante. Aliás, simplesmente não há diálogo dela com outras garotas de forma confortável criando relação de amizade. Mas há toda a gangue da qual ela é a única garota. Entenderam?
Apesar dos pesares, Império Final me deixou curioso sobre Poço da Ascensão, do qual falarei em breve. Não recomendo para todos, mas sugiro a leitura para quem quiser um universo interessante. Eu gostei da história, e tenho interesse de completar com Herói das Eras, mas sempre com um pé atrás. Talvez, só talvez, como Martin, Rowling e outros autores, Sanderson tenha aprendido um pouco com a sua trajetória e corrigido seus erros. Assim espero.
Nota 8/10
Pontos fortes: Personagens cativantes, universo interessante, trama envolvente.
Pontos fracos: Má construção de personagens femininas, demora a engrenar, solução fácil para alguns problemas.