terça-feira, 31 de março de 2015

Muitos medos

Recentemente por um amigo eu fiz uma viagem, uma grande viagem, e fui até Brasília de avião. Eu não voava há... nossa, não sei desde quando, só lembro de umas pequenas coisas da minha infância, devia ser pequeno demais pra registrar tudo. Tinha o gosto do suco de laranja, a sensação da bandeja e uma vista rápida da janela. E só. Agora eu revisitei essas lembranças em um passeio bem tenso que fiz, e que despertou alguns medos antigos. Cara, que tenso! Quando cheguei precisei registrar o que senti e corri pra escrever esse conto. Não é o meu favorito, mas transmite BEM o que eu passei...

Malditas asas que não batem

Não foi a tremedeira, o bater de queixo ou as mãos geladas que denunciou meu nervosismo, não, com certeza foram os doze longos minutos que eu passei olhando pro encosto da poltrona da frente, cronometrando o tempo de aterrissagem. Apaguei por esse tempo, minha cabeça era um relógio preciso, repassando mentalmente imagens dos filmes que vi, das notícias que li e os números nas listas de sobreviventes de acidentes aéreos.
O terror havia tomado conta de mim e, não fosse uma mão insistentemente apertando meu cotovelo ou a voz que me chamava eu teria ficado ali mesmo, meu corpo descendo e o espírito subindo, pra algum lugar lá em cima que não sei onde. Ao menos espero que suba, e não... bem, seria por pouco tempo. Tão logo saímos do avião eu corri para o banheiro para devolver aquelas bolachinhas que nos deram como “serviço de bordo”. Brincadeira, viu? Depois de esperar duas horas e meia pelo atraso, perto do meio dia, tem coragem de nos servir um petisco desses pra acomodar nossos estômagos durante a viagem.
Saí com o rosto e a alma lavados, parte de mim ficara naquele bacio, e já havia me recomposto o suficiente para engatar em uma conversa quando ouvi a célere frase:
- E Tadeu, não esse esqueça que tem a volta...
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Eu poderia morrer, tranquilamente, e ninguém sentiria falta. Os motores não haviam ligado e já colara as costas encharcadas na poltrona, os olhos vidrados na telinha dos avisos de decolagem. Que se dane se alguém fumar! Isso caindo, não vai ter pulmão sadio que salve ninguém! Diacho, bem provável que EU comece a fumar agora, meus pulmões já estão se acostumando a puxar muito ar. Será que estou hiperventilando?
As janelas são tão pequenas... e parecem tão frágeis! Será que eu conseguiria escapar? Vejo marcações de saídas de emergência que poderiam muito bem indicar porta para o céu, de nada me valeriam. E essas máscaras de oxigênio... o que menos preciso fazer agora é respirar! Lá fora o céu tá tão claro que só vejo o branco, o que é ainda mais assustador. Sério, quem disse que nuvens são bonitas é porque nunca esteve ao lado delas, porque daqui me parecem blocos de fumaça mortal que faz a nave chacoalhar. Estou tremendo tanto que mal consigo segurar o copo para tomar meu remédio.
- Tadeu, acalme-se. – diz dona Suely, que é quem ocupa o lugar ao meu lado nesses casos.
A senhora que me perdoe mas, nesses casos, a calma que se exploda. Não, espere, sem explosões, nada disso. Escuto um som estranho e olho para as asas, as quais parece que vão desmontar. Oh Meu Deus! Por favor, não, não! Tudo menos isso!
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- Tadeu, assim não dá. Você não pode pedir pra tomar um calmante tão forte.
- Desculpa, César, mas de outra forma não vai rolar. Eu PRECISO apagar, ou então eu vou ter um treco em pleno ar.
- Você vai ter que aguentar, só digo isso. Vai lá, senta no teu lugar e segura o tranco. É a última parte do percurso.
Mas não é assim simples, César. Eu nem havia me ligado que faríamos conexão em São Paulo, e por quê? Dá pra ir de carro até o Rio e nem demora tanto tempo assim! Deus, eu só quero estar em casa. Não vou mais reclamar de trabalho, sem mais viagens de negócio, até paro de trair minha esposa! Ah, ah... o quê... o que é aquilo? Vai furar a asa do avião, vai...
- CUIDADO PILOTO!!!!
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- Tadeu era um bom amigo, é uma pena que não resistiu ao vôo...
- Falando assim, César, vai parecer que ele morreu no avião. O cara só desmaiou.
- Eu sei, Jorge, mas tem que entender, desse jeito não vai rolar aquela promoção. Pior, eu posso ter que despedi-lo, onde já se viu vendedor que não consegue chegar no compromisso na hora porque não viaja de avião?
- É, pois é...

Mas Tadeu não reclamou. Em seus sonhos caóticos, causados pelo medo, ele estava muito feliz abraçado com a esposa em um canteiro no meio de uma campina com árvores em volta. Bem tranquilo. Perto do chão. Em paz.

2 comentários:

  1. Eu consigo te ver em algumas cenas assim, é engraçado XD
    Comigo voar foi tão tranquilo, me deu a sensação de paz que não encontro em terra. Uma pena que foram voos rápidos.
    Adorei a informalidade do texto :)

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    1. Engraçado é? Vamos ver se fica engraçado... huhuhu. Ah, mas voar em si não foi um problema. Apesar do medo na ida, logo passou pela velocidade do voo e tranquilidade da descida e tudo mais... só que na volta deu atraso, muita turbulência, etc.

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