quarta-feira, 15 de abril de 2015

Eu não sei o que ando bebendo...

...mas não quero parar. Definitivamente. O texto que trago hoje foi um conto que escrevi e veio do nada, totalmente aleatório e muito, muito divertido. Não é sempre que sinto tanto prazer escrevendo, mas gostei tando do que fiz que precisava correr para compartilhar.

PS: Continuo horrível pra títulos!

Visita ao Sonho

Você sabe o que é acordar ao meio dia, encarar o vazio na parede do seu quarto e pensar que deveria ter continuado dormindo? Se disser que sim, será um mentiroso terrível pois até hoje eu nunca tinha ouvido falar de algo que sequer fosse parecido com isso, que dirá tão cheio de detalhes como quando o Sonho invadiu meu mundo apenas para me trazer um anão de cachimbo com uma carta em folhas de bananeira. Pois foi exatamente assim que comecei aquela segunda-feira.
Eu havia ido dormir no domingo com a estranha sensação de que teria um péssimo dia seguinte, já imaginando como explicaria ao meu chefe que a festa da faculdade no sábado havia me deixado tão ferrado que eu passara o resto do fim de semana devolvendo meu almoço de quando tinha quinze anos e por isso não podia terminar o relatório que ele me pedira. Há duas semanas. Sim, eu odiava meu emprego, mas quem poderia me culpar? Não odiamos todos nossos chefes ranzinzas de quarenta, quase cinquenta, como cara de sessenta? Bom, eu pelo menos admito.
Mas nada me preparara para o anão, que aliás usava um casaco laranja-lima com um gorro em plena primavera e que tinha a barba mais pontuda do mundo, podem conferir no Guinness. Ele me olhava com suas contas esmeralda, cheias de um brilho sobrenatural e assustador, e pigarreou quando me viu piscando devagar, como se quisesse que ele entrasse em foco. Tirou a bananeira da bolsa de couro e me estendeu, pois era óbvio que eu deveria pegá-la e entregar a ele uma moeda de bronze pelo serviço. Oh, desculpe, estou me adiantando.
- O que é isso? – foi o que perguntei brilhantemente.
- O que parece, meu chapa? É claro que é uma folhagrama. E é bom ler rápido, pois fui pago por uma resposta, e não para ficar esperando.
- Mas... o quê...
- Olha aqui. – ele apontou aquele cachimbo fedorento pro meu rosto – Eu sou um servidor das entregas a vácuo desde que eles inventaram as cartas-de-bilbouda, então é bom que tenha respeito por mim e deixe-me terminar meu trabalho. Ok?
- Tudo bem, tudo bem! Não precisa se irritar... homenzinho. – sussurrei a última palavra com medo que ele enfiasse aquele pedaço horrendo de madeira em meu nariz.
A letra era muito rebuscada, cheia de volveios desnecessários que só dificultaram a leitura, que aliás, fez um nó na minha cabeça antes de perceber que não deveria pensar na lógica das palavras, mas no que havia por trás dela. Ou seja, dane-se o mundo, apenas leia, divirta-se, tipo o filme pipoca ruim que você vai ao cinema ver e esquece que está lá, até que acaba e você sai do cinema rindo e comentando com os outros como foi a pior experiência da sua vida e pronto, pode ir pra casa assistir aquele clássico cult e que sim traz uma mensagem, normalmente edificante e cheia de mistérios que você nunca vai desvendar.
“Caro Normie (porque meu nome é Norman e sim, alguém achou que seria um bom apelido)
Estávamos contando com sua excelentíssima e grata participação em nosso sistema de auxílio aos não-encantados e que poderia, talvez, em alguma instância próxima entre hoje e a próxima lua dos dois quartos), unir-se a nós na corte para discutir os assuntos referentes ao seu tio em segunda cláusula do sol de três pontas, Willfred Von Duck, e que, caso não se faça de rogado ou ache por demasia enfadonho, possa dar a ele uma defesa digna para que não se vá diante da lâmina mui afiada de sir Godrick dos Picos Altíssimos, que deseja de todavia fazer da cabeça de seu tio um belíssimo troféu para alegrar sua casa de veraneio em Lago Flock. Desde já interessados em sua visita e tomando de chá com bolinhos,
Os reis de Monastergo”
E havia um Anti scriptum colocado no fim do texto, mas fora feito com algum tipo de tinta que se derreteu ou talvez tenha sido só esparramada por ali e não fazia mais o menor sentido. Definitivamente o tipo de coisa que passaria por falta de educação se o anão não estivesse batendo seu longo e desproporcional pé com uma expressão assassina em seu rosto redondo e barbudo. Cocei a cabeça e fiquei olhando para a folha até dizer uma tolice:
- Ahn... então... eu acho que vou?
- Ótimo. É uma mensagem enfim! Ufa! Posso tirar minhas férias. Aqui. – ele deixou um pacote que mais parecia um daqueles que envolvem lembrancinhas de casamento e se jogou no abismo na minha parede – Monaaaa! Estou in...
Desapareceu, levando consigo o vácuo e devolvendo a pintura abacate que minha mãe insistira que ficaria bem e não me enjoaria ao vê-la todo dia ao acordar. De fato, eu não consegui, já que a tinta vagabunda começou a descascar e cobrira tudo com pôsteres, restando apenas um trechinho que lembrava uma teia de aranha muito bêbada. Olhei para o pacote e puxei o lacinho, esperando que um sapo saltasse de dentro. Para minha surpresa era uma caixinha de música simples, com uns poucos ornamentos dourados sobre uma superfície rosada.
Tão bonitinha, eu a girei entre os dedos três vezes até decidir que talvez fosse uma boa pô-la para tocar. Que mal haveria nisso? Como deve perceber, foi uma das minhas decisões ruins que culminaram no que seria a experiência lisérgica mais louca desde que tomei aquela bala em uma festa prestes a completar 17 anos e fui parar em uma bóia no meio da piscina cercado de balões e uma menina semi-nua. Melhor não falar mais nisso. Onde estava? Ah sim. A caixinha. Eu girei a chave que a ativava e de repente senti muito, muito sono. Nem lembro como era a música, talvez fosse uma versão techno punk de Hey Jude, algo assim, tenho certeza que tinha a voz de Paul...
E então eu estava em uma sala de teto xadrez. Não, não me enganei ou estava de cabeça para baixo, o teto realmente tinha ladrilhos de duas cores e o chão era coberto por um carpete verde-musgo que faria minha mãe sorrir pela escolha. Era uma sala menor que meu cubículo no escritório e tinha apenas uma poltrona e um sofá, além de uma mesinha com o conjunto de chá mais estranho. Mas bem, na situação que estava, como poderia julgá-lo? Um senhor me observava da poltrona, e ele usava um terno bem alinhado, risca de giz, da cor de um céu de tempestade e pantufas de ursinhos carinhosos. Seus óculos de coruja haviam escorregado para a ponta do nariz mas ele não parecia se importar. Observava-me como um cientista que de repente descobre uma formiga andando sobre seu projeto de dois bilhões de dólares.
- Levante-se, Norman, temos que conversar. Seu tio não pode esperar muito tempo.
- Desculpe-me... como o senhor me conhece? Onde estou? Quem é você? Quem é esse tio Valfredo? E como diabos vim parar aqui?
- Bom, são muitas perguntas meu rapaz, não tenho tempo para todas. Qual prefere ouvir?
- Eu... acho que sobre o tio...
- Ah sim, Willfred. Sim, sim, um bom amigo, uma pena que um tanto biruta, com suas ideias sobre geogamia, carros movidos a sonhos e aquele papo sobre músicas feitas com instrumentos eletrônicos. Todos sabemos que batidas são apenas isso, é como um macaco cantando ópera! Bem, Willfred está profunda e sumariamente encrencado e provavelmente prestes a enfrentar o pior julgamento de toda a história feérica, animada e talvez até do submundo. Devo dizer que se tiver sorte, o exílio será uma opção agradável.
- Eu... não entendo.
- Rapaz. Quão bem foi sua adolescência?
- Não posso reclamar... muito. Eu tive uns amigos, fui a algumas festas, namorei uma garota...
- Sim, sim, tudo normal, não é? ESTE é o problema!
- Como assim?
- Veja bem, você, Norman, deveria ter sido contatado por seu tio quando tinha 13 anos e nem um dia a mais, ou pelo menos encontrar um diário perdido aos 14 ou recebido uma carta misteriosa dois anos depois, que o levaria a uma jornada de auto-conhecimento, descobrimento de poderes inigualáveis e quem sabe encontrar a garota de seus sonhos ainda que não soubesse nem o que é ter uma paixão direito. Mas não! Willfred estava tão concentrado em seus experimentos com o veículo e aqueles docinhos de padaria que esqueceu! Ele ESQUECEU! Veja que absurdo!
- Eu... não sei do que está falando. Eu tive uma boa juventude... acho. Não posso dizer que... você falou de poderes? Sou algum tipo de mago, por acaso?
- Ah, essa besteira? Naaaaah... no máximo deve ser capaz de lamber o próprio cotovelo e calcular os números primos de cabeça. Não, não, falo daquilo que todo jovenzinho tem, a autoconfiança excessiva, a criatividade para problemas e a transformação de uma situação comum em drama. Você foi excessivamente tranquilo e sereno. E isso é errado! Por conta disso, seu tio agora deverá se justificar diante do conselho e eles com certeza devorarão ele vivo com pouco sal e pimenta!
- Fala sério? Porque eu tive uma adolescência comum e boa ele vai pagar o pato? Prefeririam o quê? Que eu tivesse virado um rebelde sem casa?
- Oh sim, que grande emo você teria sido! Consigo vê-lo de cabelo preto e liso e olhos pintados, compondo poemas! Poderia até ter montado sua banda de dois instrumentos e virado uma sub-celebridade do YouTube!
- Por favor, não. Estou feliz assim mesmo.
O velho suspirou e largou sua xícara do lado apontando para o sofá, que eu cordialmente sentei. Ficar de pé havia me cansado pra valer e a conversa parecia que seria muito longa. Ele coçou a cabeça revelando um buraco entre seus longos cabelos prateados.
- Então você vai defendê-lo. Boa sorte.
E tudo ficou brilhante e ofuscante. Em seguida eu estava no meio de um tribunal de vários andares, ainda no sofá e cercado de guardas, todos vestidos em armaduras absurdamente brilhantes e cheias de entalhes e todo mundo me olhava. E eu falo dos mais diversos e esquisitos seres mágicos já imaginados. Fadas, duendes, anões, elfos, gnomos, vampiros, lobisomens... tudo que puder e o que nunca conseguirá imaginar. Eles me olhavam como se eu fosse o rei Elvis prestes a se apresentar. Creio que vi pelo menos dois iguais a ele e ao Michael no meio da multidão. Um senhor, quase tão velho quanto o que falava comigo antes, estava sentado de pernas cruzadas em uma tartaruga colossal e olhou para mim antes de falar.
- Norman dos mortais sonhadores, você está pronto para defender seu tio, Willfred Von Duck?
Seu dedo longo indicava um rapaz não muito mais velho que eu, mas dono de um bigode de dar inveja à Dali, vestido em uma combinação que não me surpreendia mais de camisa social, saia escocesa, casaco de poliéster e um par de fones de ouvido apoiados nos ombros. Parecia prestes a ir a uma das festas que eu tinha ido recentemente e poderia ser meu veterano que nem notaria a diferença. Tirando isso, seus cabelos eram tão azuis que provavelmente despareceriam junto do chroma key durante uma filmagem. Ele não sorria, mas tinha o ar brincalhão de quem estava prestes a aprontar.
- Eu... acho que sim.
- Ótimo, podemos avançar para isso de uma vez. Excelentíssimo julgador?
Um duende de preto com um turbante escarlate veio saltando por entre os guardas até ficar de pé na minha frente, em cima de uma mesinha. Mesmo com o apoio, a diferença de altura era clara e se eu ficasse de pé ele bateria em minha cintura. Eu fiquei encarando-o até que ele tirou uma vareta e apontou para meu nariz, muito mal educado.
- VOCÊ, MORTAL!
- Não precisa gritar... – murmurei.
- NÃO ME INTERROMPA! VOCÊ! COMO OUSA VIR ATÉ AQUI, DIANTE DE TODA ESSA GENTE, E DEFENDER ESTE IMUNDO, PREGUIÇOSO E TOLO DJINN QUE NUNCA FEZ NADA PARA CUMPRIR SUAS FUNÇÕES!
- Não, sério... tá doendo meu ouvido...
- CALADO! AGORA, FALE!
- Mas eu não...
- RESPONDA MINHA PERGUNTA!
- Olha, aqui, sua decoração de jardim furiosa, quer me deixar falar? Você me perguntou, então vou responder! Eu não sei que droga está acontecendo aqui ou que tipo de coisa ele deveria ter planejado para mim, mas estou bem com a porcaria da minha vida, então dá pra libertá-lo, me devolver pro meu quarto e me deixar enfrentar o desgraçado do meu chefe e dizer a ele o quanto eu espero que ele sofra enfiando aquele relatório no meio do...
- É ISSO QUE DESEJA? DE VERDADE?
Eu vi o olhar em Willfred que me fez estremecer. Ele parecia que me dizia “Cuidado, pode não ser uma boa escolha. Mas se é isso mesmo que quer, estarei aqui para lhe apoiar. Ah sim, e pode vir me visitar outras vezes se quiser. Você parece um sobrinho muito legal, uma pena que nunca falei com você antes. Bem, espero sua visita!” o que foi muito estranho, porque ele só sorriu e então o julgador maluco bateu na minha perna e gritou de novo.
- SE É ASSIM, CASO ENCERRADO, MERITÍSSIMO!

E foi assim que de repente eu estava no meu cubículo, segurando a caixinha de música e mais sóbrio do que nunca na vida, logo antes do meu chefe entrar e me perguntar do relatório. Não sei se foi por causa do que eu tinha sonhado, ou se teve alguma realidade naquilo, mas achei que seria uma ótima ideia dizer a ele o que tinha dito no Sonho. Sim, foi uma ideia imbecil e claro que fui despedido. Mas não me arrependo nada disso.

4 comentários:

  1. Queria tanto sonhar com algo foda assim, que me desse esperanças de ser mais do que uma mera humana...
    Adorei o conto. Óbvio que adoro todos, acho que ficou claro já. Mas me identifico tanto com esses fantasiosos, dá vontade de ficar lendo e ser parte da história!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Quem disse que foi sonho? XD Essa é a graça do conto aqui, eu não afirmei nada em momento algum. ;)

      Excluir
  2. Hei! Divide o chá? Amei o texto! Lendo ele eu consegui sentir os mundos de Changeling e Tormenta! E é claro uma pitadinha de Alice! Sonhos são libertadores, segui-los causam situações extrema, para o bem ou o mal.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. De fato... todo sonho faz uma parte de si escapar, seja ela boa ou ruim, e muitos deles revelam bem mais do que esperamos! Ah, eu amo sonhos... mas e se... não for tudo sonho? O Sonho é um lugar misterioso, complexo e cheio de tramoias!

      Excluir