Hora de Partir
O sol se punha naquela tarde com tanta preguiça que talvez
fosse meia-noite antes que sumisse no horizonte. As próprias flores, movidas
pelo vento, dançavam lentamente, como uma valsa romântica. No imenso jardim
apenas duas sombras se destacavam, cobertas por uma árvore de tamanho colossal,
tão alta quanto a lua e tão antiga quanto o céu. Abraçadas, embalam um balanço
em que não deveria caber nem um adulto, mas comporta-as igualmente.
Lágrimas correm de seus olhos, pensando em todo aquele tempo
juntos. Sabem que logo irão se separar e continuar com seus destinos,
ocasionalmente se encontrando em um solstício ou outro, mas nunca mais como
agora, naquele momento tão especial. A brisa morna se aquieta, tornando-se
gélida e logo abrirá espaço para uma pavorosa ventania. Os corpos se apertam
para compartilhar o calor.
- Eu não queria te deixar ir. – é o que diz ela e recosta a
cabeça em seu colo – Não posso pensar em aguentar os meses que virão.
- Não posso evitar, sabe disso. Se fosse por mim não haveria
Inverno ou Primavera, faria calor para você sempre. Te traria os prazeres de
uma chuva fresquinha, talvez até torrencial, e teria sempre como tomar um bom
sorvete.
- Mas então os casais não teriam seus momentos especiais, e
o amor acabaria se tornando só nosso... não quero isso.
- Eu não me importaria em ser mais egoísta. Dizem já que sou
o maior de todos mesmo, que trago apenas sede, cansaço e suor...
- Não diga isso. Sabe que te adoram. Sem você as pessoas não
sentiriam calores e “calores”. Eu mesma não existo a não ser que você faça as
plantas terminarem seu ciclo. Para minhas belas folhas bronzeadas preciso que
você dê algum trabalho a elas.
- Mesmo assim... não quero ir.
Ambos encostam as testas. Os cabelos dele, tão loiros e
curtos, quase não tocam sua fronte, enquanto os dela, ruivos, caem em mechas
manchadas de castanho sobre seus olhos cor de caramelo. Juntos, tão diferentes,
parecem se completar. São as íris azuladas, cor de mar dele, que trazem
conforto a ela diante dos dias que terá que aguentar o frio e a solidão. Não
que seja culpa do belo Inverno, com seus cabelos negros ou seus olhos
cinzentos. Mas perto de seu namorado não há como pensar em se entregar ao seu
abraço glacial.
- Verão, me perdoe se eu parecer estar gostando. Sabe que em
certas horas eu e Inverno estaremos muito próximos.
- Sim, assim como eu e Primavera. Eu confio em você, meu
amor, e não importa o quanto eu esteja enciumado, minha paixão por você é mais
forte.
- Obrigada... obrigada por tudo. Prometo lhe esperar, e que
quando você chegar eu tentarei me lembrar de você. Não deixarei que nosso amor
seja esquecido, como vários outros que iniciam em sua estação.
- Eu sei que não. Estou apaixonado por ser apenas culpa do
meu fogo.
- Eu também.
- Estou indo, Outono... até daqui a nove meses...
- Eu estarei aqui, nesse mesmo balanço...
- Eu... vou... lhe buscar...
E enquanto o sol finalmente se punha e a lua surgia
brilhante no céu escuro, Outono derramou mais duas lágrimas que se
transformaram em fractais de gelo antes de quebrarem no chão. O vendaval se
aquietou e uma presença gelada denunciou a chegada de Inverno. Era hora de
seguir em frente por mais um ano.
Ahh, esse é lindo. Lembro de quando eu li a primeira vez e finalmente caiu a ficha de que eram as estações, muito fofo.
ResponderExcluirAchei que gostaria de vê-lo aqui, eu adorei escrevê-lo!
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