Um lindo trabalho de Elephant Wendigo mostrando nossa Elektra em seu trono. |
A Rainha deve escolher!
A fila ia longe, aparentemente todos os jovens sadios e de
descendência “nobre” foram convocados para comparecer à seleção. Com isso,
quase todos os futuros cavaleiros do reinado estavam ali, dos magros aos
fortes, dos baixos aos gigantes, dos feios aos... Mais ou menos. As portas do
salão permaneciam abertas enquanto em pares, pai e filho, entravam para
conhecer a rainha Elektra.
Sentada no trono, vestida de preto dos pés à cabeça, o
cajado com a pedra vermelha seguro firme em sua mão direita, a recém-coroada
monarca do Reino do Crepúsculo observava cada um que entrava. Um levantar de
sobrancelhas, um gesto com as mãos ou um meneio de cabeça serviam para que os
visitantes fossem dispensados. Já perdera a conta de quantos vieram até ela
falar de suas posses, de como seus filhos eram valentes e inteligentes e
exímios em diversas artes. Todos bobos sem paixão no fim das contas.
Mesmo quando princesa, já convivia com constantes
apresentações de futuros pretendentes, dos mais estranhos aos mais sem-graça. A
rainha Elektra sabia bem o que queria, e não era nenhum deles. Mais uma vez
teve de mandar embora alguém cuja aparência claramente não refletia o amor que
poderia vir a sentir por ela.
- Próximo! – gritou seu lacaio-arauto.
- Diga-me, sir Hugo. Quantos ainda temos que ver?
- Quantos forem precisos até a senhora escolher um rei. É
uma tradição do reino, minha senhora. – respondeu o quase ancião líder da
guarda real.
- Diacho... Gostaria de conseguir saber as horas, mas o céu
está sempre avermelhado, e este pajem inútil vive errando com a contagem.
O dito garoto se encolheu diante da acusação. Sentiu o olhar
pesado de sir Hugo e temeu pela própria vida, mas a nova rainha não tinha a
fama de assassina do rei anterior. O som de passos conseguiu tirar a atenção de
cima dele.
- Sir Gerfried e seu filho, o bravo Gallen!
Dessa vez a rainha se animou, assim que viu o jovem seu
coração de adolescente deu um salto. Alto, musculoso, os olhos azui como o mar
que banha a Praia do Anoitecer, e os cabelos minunciosamente ajeitados. Não
fosse o excesso de roupas, Elektra pensou que poderia ver um tronco sarado e
pernas torneadas. Segurou um suspiro apaixonado até que os dois se dispuseram à
sua frente, ajoelhando. O rapaz não a olhava, parecia encarar displencemente a
sala, os guardas, até o pajem, mas nunca ela.
- Minha rainha, trago à sua presença meu filho, Gallen. Ele,
que já batalhou ao meu lado na defesa da Baía das Águas Verdes, que venceu três
torneios de Tiro, que é o mais belo deste reino.
Os elogios eram mal e porcamente ouvidos. Enquanto o pai
falava, Gallen se movia, mostrando as formas para a Elektra que ardia em desejo.
Ainda assim, em nenhum momento ele direcionou os olhos para ela, o que a estava
incomodando. De repente, notou que ele parecia muito interessado em um recruta
próximo a sir Hugo, um homem de cabelos e olhos negros. Uma ideia passou pela
cabeça da rainha, que chamou pelo soldado, pedindo a ele que fosse entregar ao
pretendente uma taça de água, pois ele poderia estar com sede. Quando a ordem
foi atendida, Elektra captou o olhar lânguido dde Gallen para ele e só pode dar
um tapa na testa. A situação foi percebida por todos, que resolveram olhar para
os lados.
- Bem, lorde Gerfried, seu filho foi... Muito apreciado...
Por nossa rainha... Mas voltaremos a falar com vocês... É... Depois...
Constrangido, sir Gerfried levou seu filho para fora,
praticamente arrastado. Foi possível ouvir a batida que deu no garoto assim que
saíram do salão. Elektra só tampou o rosto com a mão para evitar o riso. A dupla
seguinte lhe chamou ainda mais atenção. Parecia um belo par de gêmeos ruivos,
não fossem os cabelos rareados do pai. O mais novo claramente não era voltado
para o combate, mas a beleza de seu resto anguloso e do nariz adunco foi capaz
de tirar uma piscada da donzela.
- Sir Archibald e seu filho, Elliot, o sagaz.
- Minha rainha, por favor, espero que possa dar um pouco de
atenção à meu rebento.
- Belíssima soberana, ouso ficar em sua presença para tentar
lhe tirar ao menos um sorriso, para que possa honrar sua generosa perfeição,
que a todos nós é tão acalentadora. E quando a noite finalmente cair em nosso
reino, gostaria de ser o estandarte iluminado por sua luz e... – a fala de
Elliot prosseguiu.
Elektra segurou um bocejo. Ele continuava falando, mesmo
depois de ela ter passado a contar os detalhes dourados na bandeira de seu
reino. Seria o Sagaz tão estúpido que não reparava ter perdido todos os pontos
com sua pretendente? Finalmente cansada e ele ainda não parando, ela fez um
sinal de corte e o rapaz foi arrastado para fora pelos guardas, levando o pai
dele junto.
- Sir Hugo, por acaso o senhor está brincando comigo?
- Perdão, milady, mas não sou eu que seleciono os candidatos
– e lançou um olhar intimidador para o pajem, que procurou um buraco para se
enfiar.
- Então que venha o próximo. E que seja bom!
As preces foram atendidas. Diferente do primeiro, um
acumulado de qualidades díspares que virou um nada, este tinha a coesão de uma
obra-prima. Os cabelos curtos, espetados, os lábios carnudos, o corpo delgado,
mas firme, o porte de um atleta. Trazia nas mãos um baú que deixou aos pés da
rainha.
- Sir Brahm e seu filho, Conner.
Ela nem havia reparado no idoso com rosto de falcão que
viera acompanhando o rapaz. Tão diferentes, ele partilhava dos mesmos olhos
intimidadores do filho.
- Trouxemos um presente, caríssima rainha, algo que não
chega aos pés de sua magnificência, mas desejamos que aprecie.
Sir Hugo abriu o baú, mostrando à rainha o conteúdo da
caixa, que a enojou. Era a carcaça de algum animal selvagem, talvez a cabeça de
um lobo. Foi o suficiente. Fez um movimento com as mãos e a caixa, o
pretendente e seu pai sumiram de sua vista. Estava prestes a chorar. Em questão
de minutos tivera experiências tão ruins que teve certeza que surtaria antes do
último. Precisava de alguém decente, carinhoso, que fosse bonito, mas não
precisava ser tanto assim, desde que fosse um homem bom.
Tão enfiada na própria cabeça estava que mal ouviu o anúncio
do pretendente seguinte. Quando levantou os olhos, seu coração perdeu o compasso,
seu estômago revirou e suas mãos suaram frias. Ele não era o mais bonito, mas
tinha o charme de um músico. Também não parecia o mais forte nem o mais ágil ou
inteligente, parecia mais matreiro, o tipo de cara que teria uma boa ideia na
hora certa e a tiraria do perigo. Não precisaria enfrentar um dragão, e matar o
pobre bichinho por ela, ele o enganaria e conseguiria fugir com o tesouro e
tudo.
- É ele! Por favor, tragam-no aqui! – gritou apontando para
o garoto.
- Mas senhora...
- Agora! Depois de tudo isso, eu mereço falar com ele
diretamente!
- Senhora...
- Obedeçam!
Por algum motivo o rapaz foi levado até ela de um jeito
brusco, e sob olhares nervosos de todos. Sir Hugo trocava o peso dos pés e
segurava a espada da forma errada. Todos pareciam não saber onde enfiar as
próprias cabeças. O jovem estava tremendo um pouco de um jeito fofo.
- Então, por favor, pode repetir seu nome?
- É... Janus, minha rainha, mil perdões.
- Não precisa se desculpar, Janus. Diga-me, você não é
adepto de caçar lobinhos e me trazer a pele como troféu, não é?
- Não, minha senhora! Juro que não! Odeio caçar! Prefiro...
Adestrar os animais.
- Ótimo! Imagino também que goste de mulheres, não é?
Digo... Acha-me bonita?
- Linda... Bela como uma rosa desabrochando sob a luz do
sol.
- E ainda é sucinto! Sim! SIM! É você! Venha aqui, meu
príncipe!
- Mas senhora! – interrompeu Sir Hugo não mais se contendo –
Ele é apenas o pajem de Sir Harold e seu filho Mardock! Aqueles são seus
pretendentes!
A rainha olhou para onde o cavaleiro apontava e encontrou o
olhar reprovador e indignado de pai e filho, dois exemplares perfeitos de
pessoas mais noção que já vira. Perto deles Janus passava de um simples servo
para um magnífico pretendente.
- E daí? Eu o compro de Sir Harold, o transformo em cavalheiro
e o caso comigo! Quer dizer, se você aceitar, sir Janus...
O garoto claramente ficou sem o que dizer. Engasgou nas
palavras, trocou os pés pelas mãos e tremeu ainda mais. Ainda assim, quando
olhou para ela, Elektra sentiu o calor de uma paixão inesperada. Talvez, aos
poucos, ele estivesse se apaixonando por ela.
- Não precisa ter pressa, sir Janus. Pode apenas dizer que
sim agora e ficaremos um bom tempo noivos, para nos conhecermos melhor. Se eu
tiver te aceitado, ninguém vai poder me dizer que não. Entenderam?
Apesar de contrariados, os servos da rainha e os
pretendentes só puderam concordar, frustrados.
- Eu... Eu adoraria... Minha dama...
A rainha se levantou do trono, desceu sorrindo e pegou na
mão dele que ficou vermelho como um pimentão.
- Venha, vou lhe mostrar meu... Nosso reino.
E saiu feliz.
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