O Velho e a Caixa
Encontrei o Velho por acaso. Ele estava sentado na praça,
com a caixa na mão, observando os passantes. Abria de vez em quando um sorriso
meio bobo e tentava oferecer sua caixa, mas ninguém parava pra conversar. Senti
uma certa pena e sentei ao seu lado, crente de que ele me faria amesma oferta,
mas me ignorou completamente. Preferiu tentar a sorte com um rapaz de moicano
que fez que não o viu. Deu até aquela suspirada de quem poderia fazer alguma
coisa, mas se os outros não fazem, então porquê se incomodar?
- Sabe, você poderia falar comigo. – eu disse, esperando que
ele me respondesse.
- Ah, não, você não. É muito cedo. – respondeu, mas foi como
se estivesse falando com qualquer outra pessoa.
Levantou-se e estendeu a caixa. Dessa vez uma moça parou,
olhou para ele, para o objeto de papelão em suas mãos e até mesmo ensaiou abrir,
mas afastou-se e foi embora. Outros vieram, de vários tamanhos e cores. Posso
até dizer que várias culturas e religiões. Um monge, inclusive, chegou a olhar
dentro dela, e saiu correndo, aparentemente assustado. O velho voltou a sentar
do meu lado e deu uma risadinha triste. Parecia decepcionado.
- Ás vezes eu penso que eles têm medo de se decepcionar. Em
outras imagino que já estejam tão cansados disso que nem querem mais tentar ver
no que dá. Eu fico até surpreso que eles ainda me aguentem.
Não entendi nada do que ele disse, e de que adiantaria? Só
pude concordar e prestar atenção. Apesar de estar abatido e de parecer um
mendigo, seus olhos eram dos mais profundos que já vi, duas esferas
azul-escuras como um céu estrelado noturno. Admiráveis, e também bem
melancólicos, refletindo uma vida terrível.
- Será que eu não poderia...
- Ver? Talvez, será que você aguentaria? Você é bem jovem,
forte, já teve seus momentos de triunfo. É, quem sabe...
- Você não faz muito sentido, sabia?
- E por que deveria? Se eu fosse a resposta para tudo, vocês
nada teriam que fazer. Só aproveitar as ondas que vêm e vão, seria bem legal no
começo, tranquilo, mas depois de um tempo encheria o saco.
- Você fala como se... – não terminei a frase.
- O quê? Fala!
- Nada não, só pensei uma besteira.
- Besteira é não falar o que pensa. Vocês perdem tempo
demais pensando no que dizer em vez de dizer. Por isso que tem tanta gente
solteira, tanto casal se separando e tanto viúvo se lamentando. Outro dia mesmo
tive que dar um empurrãozinho para um garoto pedir o namorado em casamento. Foi
difícil...
- Namorado? Eu pensei que...
- Pensou errado. O espírito não tem sexo, meu filho, só o
corpo. E eu não vejo vocês da mesma forma que me vêem. Tá vendo aquela garota
linda e gostosa ali? É uma pena que, além de sustentar mais vícios do que seu
corpo é capaz de aguentar, ela também seja bem mesquinha.
- Jura? Olhando daqui...
- Aparências enganam, meu filho. Já levei pra longe e pra
baixo muito pastor que vivia dizendo que eu era acima de tudo e roubava dos
seus, e já deixei ir pro Nirvana muito jovem que se tatuava dos pés à cabeça e
é vendedor de seguros.
- Inferno e Nirvana? Isso parece meio contraditório...
- Cada um tem seu paraíso particular. Ou acha que alguém
realmente vai ter razão? Até minha forma é algo misterioso, varia de acordo com
os SEUS calendários, suas vontades e principalmente com a capacidade de
raciocinar da espécie que estou visitando.
- Acho que você está brabo conosco.
- Desculpe, me acostumei a tentar discutir isso com os
líderes religiosos que não são capazes de dar o braço a torcer. Por sorte de
vez em quando me aparece um Papa mais cabeça aberta ou um médium com algum
temperamento menos... Complicado.
- Pelo jeito todos estão certos.
- E errados ao mesmo tempo. É complexo, não funciona tão
simples. Quem sabe em mais uns dois mil anos vocês entendem.
- Justo, acho que não posso esperar, mas, se você fala a
verdade, pode ser que esteja de volta.
- Se você acreditar nisso...
- Gosto da sua forma de falar. Queria muito que fosse Ele
mesmo.
- Agora você está pronto. Fique com a caixa. Meu tempo por
aqui acabou e quero que você a guarde até o próximo chegar. Quando eu sair, olhe
dentro da caixa.
Ele a largou no meu colo e foi andando. Vi quando virou a
esquina e fiquei esperando que voltasse rindo, mas nada aconteceu. Louco ou só
brincando, foi uma conversa divertida. Eu agora segurava a caixa como ele
minutos antes, então achei que era melhor olhar pra matar a curiosidade. Tudo
se iluminou. Foi uma sensação indescritível, mas vou tentar resumir.
Dentro havia o infinito. Cada fragmento de cada mundo
possível se refletia nos meus olhos. Pude ver o pensamento de todas as
criaturas viventes, e me surpreendi em saber que o universo se espandia segundo
a segundo. Ouvi suas vozes, mesmo aquelas que não podia entender, seja pela
língua, seja pela falta de percepção da faixa sonora. Respirei odores de
milhares de lugares, comidas e pessoas ou coisas. E então localizei um pequeno
brilho, praticamente ínfimo, em um planeta longe, bem longe. Aproximei a vista
e então lá estava eu, de pé, parado em uma imensidão de sensações, sentimentos.
Levantei, fechei a caixa e fui embora.
Somente uma pessoa iluminada com sabedoria poderia escrever um texto de igual valor. Parabéns ^^
ResponderExcluirPuxa, que elogio! XD Fico muito honrado de ter recebido um comentário assim.
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