A foto também é da Ann, do deviantart dela, que eu acho que é a locação perfeita pra este e outros contos de bar. |
Maldição
Hoje é terça-feira, meu dia de perdição. Sei o que faço, sei
o que fiz, e sei que farei de novo. Mesmo que me consuma, mesmo que apodreça ou
vire pó, não consigo me desfazer... Do cheiro, do gosto, da visão, de sensação
nenhuma. Estou viciado, aprisionado pela minha sede, pelo meu ardor, uma
maldição tão ou pior que a que me faz acordar somente à noite, todas as noites,
quase seco, quase morto. Mas nunca morto realmente. Ás vezes queria ser morto,
para não ser apunhalado pela minha vontade. É sempre às terças.
Eu a vejo sair, de vestido vermelho, azul, violeta ou
carmesim. Ela já escolheu um branco, certa vez. Eu o rasguei e ela acredita até
hoje que foi por conta da bebedeira. Por pouco ela não voltou mais àquele bar.
Mas eu não podia deixar, não o nosso santuário, nosso local abençoado. Terças,
às dez. Ela não lembra, claro, não teria como. Eu precisei de muito empenho
para colocá-la na rotina. Na primeira vez que ela esteve lá eu ainda não a
conhecia. Fora com amigas, e pude apenas aproveitar o esplendor de sua presença
enquanto encantava um lanchinho. Nas terças seguintes eu me aproximei, aos
poucos, como manda o manual. Após quatro ou cinco drinques, a arrastei para sua
casa. Foi fácil de identificar, o rastro era tão forte que nem precisei de
telepatia.
Preparei para me despedir dela naquele momento, não fosse a
paixão em seu olhar. Eu queria apenas seu sangue, mas tive seu corpo. Arranquei
dele o vestido azul-marinho, que ela jogou fora depois, e parei alguns segundos
para admirar sua pele alva em contraste com a lingerie escura, que de pronto
também tirei. Mesmo embriagada ela tomou o controle da situação e inverteu
nossas posições, me deixando sentado na ponta da cama. Com mãos pequenas e
ágeis me desfez da camisa preta que havia escolhido somente para ela. Mais
rápida, me tirou a calça e a cueca, me deixando nu, não fossem as meias, que eu
mesmo joguei longe. A boca abriu um caminho do meu pescoço, ó inglório alvo,
até as regiões baixas. Pela primeira vez em anos, eu suspirei.
Ela nunca reclamou do gelo da minha pele, pouco mais pálida
que a dela, ou dos meus hábitos engraçados na cama. Evitei ao máximo usar de
força, sabendo que não teria como sumir com as marcas, mas... Quer saber,
foda-se, eu vou aproveitar e dar a nós dois o prazer merecido. E essa foi só a
largada. Como relógio, toda terça eu aparecia no bar, trocando de roupa, estilo
e até mesmo cantada, deixando-a extasiada com papo sobre assuntos do seu
trabalho ou o filme da semana. Depois de um tempo ficou fácil, óbvio, eu já
sabia o que ela falaria. E ao final, com os olhos profundos da minha espécie,
eu ordenava que ela esquecesse.
Um dia disse a mim: Quando quiser eu paro. Não a mato porque
não quero. Não é que eu não queria me livrar dela, é só porque está bom assim.
Tudo mentira. Eu me apaixonei por essa mulher. É só dela que o sangue vem
gostoso, é o corpo dela que me impede de esquecer o que é ser mortal. Eu, que
já bebi de tantas e até de uns, não consigo deixar de beber dela. Posso estar
cheio de saidinhas no domingo ou sábado, mas não ligo, eu não deixo de ir ao
bar nas terças. Só que aconteceu um negócio engraçado na terça passada. Eu
posso jurar que ela já esperava por mim. Impossível, claro, ela não saberia. Eu
fiz questão de ser o mais discreto, todas as vezes. Dominei garçons, evitei
dias que ela foi acompanhada, até dei sumiço em alguns caras que tentaram ficar
no caminho, o que me impediu de beber a dose semanal um bocado de tempo.
Mesmo assim, naquela semana ela não pediu a bebida até que
eu entrei, meia hora depois, como estipulei. E também não pareceu espantada que
eu soubesse de sua coluna no jornal. Ignorei tudo, desde que pudesse sair de
sua cama logo antes do amanhecer. Como ela nunca estranhou que tivesse amantes
que fugiam assim, não sei... E lá vem ela... Entrará no bar em segundos. Adorei
a escolha das vestes. É aquele vestido preto que é tão fácil de tirar.
Espere... Ela me encarou aqui em cima, no parapeito? Não pode ser... Não, ela
só olhou para a lua. É, é isso... Maldição, é terça-feira e estou aqui de novo.
Até quando, até quando iremos aguentar?
Eu me sinto muito bem quando você escreve com algo que eu te passei, me sinto muito orgulhoso. É como se um pouquinho dele se tornasse minha! ^^ E me sinto muito feliz de ter um clique meu ilustrando aqui! Essa foto só pode ser feita por sua causa, que me levou até o Bar Cine York para lhe acompanhar num trabalho da faculdade... Mas olhando hoje pra essa foto dá aquela sensação de "podia ser bem melhor". XD
ResponderExcluirBom, a foto estava ótima pro conceito que ela queria passar... E quanto ao texto, eu tenho orgulho é de saber que você também tem essa verve escritora e que consigo transparecer a minha inspiração por você de um jeito que goste. XD
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