Química
Explosiva
Rolar
química não é uma boa desculpa para relacionamentos. Entre Jonas e Vicky, por
exemplo, sempre rolou química, e das mais explosivas. No primeiro encontro
deles, o mecânico aqueceu um motor, enquanto ela fez esfriar o capô do carro até
o pedaço de metal ser lançado pra fora. Na segunda vez, atiraram tanta coisa um
em cima do outro que causaram combustão espontânea no meio do laboratório. Na
terceira, foram parar em outra dimensão pela explosão de uma das salas de
ritual. Logo, eram claramente o casal favorito das discussões no Torre de Merlin,
o bar sensação da região norte. Ocasionalmente, quando apareciam no mesmo dia,
era motivo para os amigos em comum planejarem os truques habituais. E não por
menos, já que, entre trancos e barrancos, quando não tentavam se matar,
conseguiam trocar certos flertes.
Na noite em
questão, por exemplo, Jonas chegara bem cedo, para comemorar com Harlok sua
conquista, um orbe que ele demorara meses para transformar em realidade, e que
aparentemente seria capaz de modificar o campo da mágica quântica. O artefato,
aliás, estava sobre a mesa do quarteto, depositado em uma almofada esverdeada e
parecia não muito maior que uma bola de sinuca e um pouco mais inocente que um
travesseiro de penas. Haviam bebido o terceiro drinque quando Victória Bridges
entrou acompanhada da fiel escudeira Monike, vestindo o corpete mais obsceno
que o grupo do Torre já havia visto, pelo menos em uma mulher do nível de
Vicky. Suas curvas, geralmente escondidas por roupas largas, estavam
completamente expostas naquele pedaço de couro vermelho-sangue apertado. Por um
segundo, enquanto não reconheceu a mulher com quem sempre brigava, Jonas se
permitiu secá-la como as fórmulas que tentava memorizar desde que roubara um
livro de outro rival. Aí Harlok deu-lhe uma cotovelada, sussurrou um nome e o
mago quase cuspiu a bebida que tomava.
Vicky passou
pela mesa deles, ignorando os olhares de lobos famintos e sentou-se um pouco
mais perto do balcão em que Archimedes, dono do bar, servia os clientes.
Monike, por sua vez, não pode deixar de acenar para o magnífico Mikos, o famoso
mago que adquirira o poder de mudar sua face para aquilo que as mulheres ao
redor achassem mais atraentes. Assim que se sentou com Vicky foi repreendida,
claro, mas até mesmo a fria maga, que nesta noite estava mais quente que um
caldeirão aceso, teve que admitir que Mikos, talvez pela mágica, talvez não,
tornara-se extremamente bonito nos trajes de gala que escohera. Sorrindo
disfarçadamente, as amigas pediram os soft drinks de sempre e esperaram por
qualquer coisa. O que, aliás, aconteceu.
Encorajado
pela presença de mulheres, Eric, o mais baderneiro dos quatro, pediu os chopps
que indicavam uma caçada. Harlok e Jonas olharam para ele, incrédulos, mas
Mikos o apoiou confiante, praticamente esperançoso de que teria Monike para si.
Incapazes de dialogar com o ego da dupla, desistiram, aceitando o forte
preparado irlandês que o garçom McGuinness criara. Por dentro, Jonas até
ansiava pela falha dos dois, para talvez ter uma brecha com Vicky. Naquelas
roupas, com aquele sorriso nada corriqueiro, o perfume que talvez só ele
tivesse sentido, a mulher que o infernizava dia sim e dia também se tornara o
seu Graal. Parecia um encantamento raríssimo, pelo qual arriscaria tudo que já
conquistara, somente para tê-lo, por um segundo que fosse, e apreciar a beleza
do seu desenvolvimento.
Quando a
sobriedade saiu do bar dando tchau a todos os presentes, Eric tentou a sorte,
seguido por Mikos. Os dois levantaram da mesa que estavam, pediram sorte aos
amigos e se lançaram para as pretensas presas da noite. Em segredo, Harlok fez
uma aposta com Jonas que dobrou o valor ao ver o olhar assassino de Vicky. A
loira, com o piercing brilhando dourado na boca vermelha, abriu um sorriso
felino, aceitando a presença do inglês presunçoso ao seu lado, enquanto Monike
se continha para não agarrar Mikos, que claramente exagerava na sua habilidade.
O bar silenciou por alguns instantes com o olhar confuso do mago tecnopata.
Compreendia muito bem máquinas, principalmente os seus carros, mas seria
incapaz de determinar que tipo de plano maquiavélico a maga adoradora de
animais tinha para Eric.
Através de
um truque mágico simples, Harlok começou a ouvir a conversa a boca pequena dos
casais na outra mesa.
- Então, Mikos...
Eu soube que os gregos são...
- Hum,
pequena, pode ser que sim, pode ser que não, por que não saímos para a MINHA
torre e não descobrimos?
- Pelo
jeito, as coisas estão esquentando com a sua amiga e Mikos... Por que nós
não...
- Nem pense
nisso, fã de Oliver Twist, ou eu arranco essa sua mão safada da minha perna com
uma bola de fogo.
- Ah, mas por
que... Você parecia tão a fim ainda há pou...
- Eu avisei.
Jonas foi
mais rápido que Harlok e por isso não levou um inglês voador na cara. A mesa
deles quebrou com o lançamento do mago abusado e o orbe foi ao chão. O mecânico
manipulador de metais se levantou, irado, e já partiu pra cima de Vicky.
- Então é
assim, faz de tudo só pra sacanear a festa dos outros, não, é?
- Claro!
Tinha que ser o brutamonte viciado em computadores. Deixe-me adivinhar, é tudo
uma brincadeira de vocês quatro só porque eu e Monike decidimos aproveitar uma
noite em paz, estou certa?
Na verdade,
os dois berravam ao mesmo tempo, assim que haviam levantado de suas mesas, e
não ouviam o que o outro dizia. A volta deles, o mundo parara, enquanto
evocavam feitiços de seus grimórios, que faziam a terra abrir sob seus pés ou
retorcer a mesa sobre eles. E o orbe rolava pelo assoalho já danificado do
Torre.
- Escuta
aqui, ô mulher demônio... Acha divertido fazer o Eric de idiota só pra estragar
a nossa noite?
- Na
verdade, ela não... - protestava Eric, se reerguendo, mas foi plenamente
deixado de lado.
- Típico de
homens! Ele se assanha pra mim passa a mão na minha perna e eu que sou a vilã!
- Bom,
Vicky, você veio pro bar para... - tentou dizer Monike, sendo interrompida pelo
beijo intenso de Mikos.
- Se veste
como uma vagabunda e ainda reclama? - berrou Jonas e se arrependeu assim que as
palavras saíram de sua boca.
- O que você
disse? - a voz saiu mais gélida do que Vicky esperava a raiva vazando pelos
poros. Nas mãos, a bola de fogo começou a se formar.
- Não era
bem o que eu queria...
- REPITA
ISSO, PORCO CHAUVINISTA, SE TIVER CORAGEM! Logo você que DORME com um fusca!
Aquilo foi a
gota d'água para Jonas. Poderiam falar o que quisessem, mas que não insinuassem
NADA sobre seus carros. Suas mãos esfriaram instantaneamente e pequenos
cristais de gelo apareceram em seus cabelos e barba. Harlok previu o pior. O
orbe estava exatamente no caminho dos dois.
Como sempre,
a explosão veio em seguida. Fogo e gelo se confrontaram, derrotando-se
mutuamente e a energia que escapava roçou de leve no orbe, o suficiente para
ativá-lo e criar a reação em cadeia que Harlok não queria que acontecesse até
mostrar pro comitê como seu orbe recondutor era capaz de recriar qualquer
energia que absorvesse, por quantas vezes tivesse potencial. Inerte desde a
criação havia MUITO potencial acumulado. O Torre se desfez em uma imensa
cratera que seria impossível de explicar aos vizinhos. Archimedes calculou o
seguro secular, imaginando se cobriria clientes psicopatas e decidiu que talvez
precisasse mudar de ramo. Harlok rastejava procurando pelo orbe, ou o que quer
que tenha sobrado dele. Monike e Mikos utilizaram um pergaminho de fuga para ir
se divertir no famoso loft do grego, que ele chamava de Monte Olimpo. Eric
saíra de fininho, sabendo que no fim era tudo culpa dele e que seria melhor
sumir por uns tempos, tirar umas férias, quem sabe visitar o Brasil. Já Jonas e
Vicky, eles estavam no epicentro do desastre e praticamente foram teleportados
para dentro da casa ao lado, tendo atravessado duas paredes bem sólidas. Não
fosse o escudo, uma das muitas especialidades de Vicky, estariam em pedaços
menores que os estilhaços das garrafas de McGuinness. Caído sobre a maga, Jonas
pensou por um momento em como ela estava maravilhosa, mesmo com as roupas em
frangalhos. Ela também admirou o olhar sério, empredado, do homem sobre si e
cedeu à tentação. Agarraram-se por longos minutos, aproveitando a distração dos
donos da casa com a nova piscina ao lado.
Soltaram-se
sorrindo, cúmplices, sabendo a enorme besteira que haviam feito e que teriam
muitas contas a pagar.
- Admita,
Briggs, você estava louco por mim desde que entrei por aquela... É, porta.
- Ok, você
estava muito bonita, mas... Precisava daquele exagero todo? Não poderia aceitar
uma vez um convite e sentar na mesa com a gente?
- Ora, e
qual graça teria?
Os encontros
dos dois são sempre assim, envolvidos com explosões.
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