Sete Homens e uma Mulher Fatal
Soube de pronto que haveria uma explosão. A troca de
olhares, o estalo da língua, o relaxar de ombros e a tensão dos pulsos, a
respirada mais funda e o movimento rápido dos dedos. As balas atravessaram a
sala em uma chuva fatal, cobrindo cada metro quadrado, cada brecha disponível.
Caíram alguns corpos, outros se esconderam, estressados e já encharcados de
suor. O som terrível foi procedido por um silêncio macabro. Nem mesmo a mosca
voava, com medo de acabar presa em uma bala errante. A respiração dos sete homens
era a única mudança no ambiente, praticamente estático.
O bruto recarregou a gigantesca arma, cujas balas já haviam
coberto toda a parede dos banheiros, transformando em queijo suíço as portas
agora derrubadas. O oriental checava as duas pistolas para ver se haviam balas
suficientes para os seis homens, certo de que o número exato deveria ser meia
dúzia, sem chances para erros. O de porte feminino lambia os lábios, saboreando
o prazer de um combate tão difícil, enquanto alisava o cano de sua Winchester.
O padre orava, pedindo que as únicas balas de sua Colt fizessem seu trabalho e
expulsassem aqueles demônios da face da Terra. O mercenário amaldiçoou o baixo
preço que pediu pelas cabeças dos outros homens e pegou uma faca de arremesso,
caso fosse preciso. O escravo olhou para seus grilhões, olhou para a mesa que
lhe protegia e para sua pequena arma, “há balas suficientes? Morrerei aqui
longe de casa?”. O ex-agente do serviço secreto pensou mais uma vez em que
porquê decidira fazer aquele favor e em como era azarado por ter pego a única
arma que tinha apenas seis balas. A bruxa apenas riu.
Ao mesmo tempo os homens se levantaram, dispostos a matarem
uns aos outros. Seus tiros soaram como um terremoto, estremecendo as estruturas
da casa. Seus gritos foram ensurdecidos pelos trovões e seus olhos encheram-se
de raiva, ódio, pena, lágrimas, medo, saudade, covardia e luxúria,
respectivamente. Nenhum ferimento foi mortal, nem um acerto foi capaz de
eliminar a concorrência. No meio deles, a contratante ria, em sonoras
gargalhadas, e esbaldava-se com a testosterona e fúria liberadas. Olhando em
volta, os rostos dos sete homens ofegantes lhe rendiam divertimento. Era
saboroso como eles, confusos e perdidos, se digladiavam.
A existência dela não passou despercebida pelo padre, o que
também atraiu o olhar do alerta oriental e do experiente mercenário. O escravo
e o ex-agente, amedrontados, a perceberam flutuando sobre uma mesa, a única
ainda em pé. O esguio não a notou, não pelo mesmo motivo que os outros, assim
como o bruto a ignorava, enquanto procurava por qualquer resto de munição. E a
bruxa ainda ria.
De repente não havia mais guerra, não havia mais briga,
somente os olhares indignados. Revoltado, o brutamontes urrou, disposto a cair
no braço, e então a percebeu lá, sozinha no meio deles, nua em pelo não fosse a
capa roxa caída pelas costas e as botas de Peter Pan. Ela estava quase rolando
de rir no ar e eles se entreolharam, finalmente descobrindo a armadilha em que
se meteram.
- Ei! Você! O que diabos está acontecendo aqui? – berrou o
mercenário, apontando para a bela cabeça ruiva sua faca de arremesso, única
arma restante.
- Es um demônio, mulher dos cabelos de fogo? – perguntou o
padre, incerto de quem seriam seus inimigos abissais.
Os outros também expressaram sua indignação, ainda que com
sons mais excêntricos como o grunhido do bruto ou o muxoxo do afeminado. O
ex-agente se pegou analisando suas belas pernas e o oriental perdeu a
concentração por um minuto em sua comissão de frente. A bruxa se pôs de pé,
ainda que estivesse a meio metro do chão, e estalou os dedos. Todos se calaram,
mesmo contra sua vontade. Ela andou alguns passos, baixando centímetros até
estar de frente ao padre, e puxou seus cabelos louros para trás, fazendo-o
ficar próximo de seu ventre. Ele suava, tenso por muitos motivos, ainda que
alguns ele nunca vá admitir.
- Sim, meu bem, eu sou um demônio, um lindo demônio que veio
coletar suas almas. – ela sussurrou, mas sua voz soou tão alta que todos
puderam ouvir.
Ela aproximou seus lábios dos do religioso e uma estranha
troca de energias ocorreu, fazendo-o cair de joelhos. Ela fez o mesmo com todos
os outros, aproveitando para passar a mão em seus corpos e causando arrepios.
Assim que terminou, bateu palmas e todos ficaram de pé mais uma vez. Runas
púrpura surgiram em seus peitos e seus olhos pareceram um pouco mais vagos. Ela
os chamou, caminhando para a porta que abriu com um balançar da mão direita. E
então surgiu a imensa lua avermelhada, a lua das bruxas, a lua das trevas.
Olhando para ela, a bruxa riu mais alto, sua risada diabólica sendo seguida
pelas deles. Sete homens fadados a segui-la em suas batalhas, sete homens
presos de corpo, alma e destino, sete escolhidos de setenta e sete. Os melhores
dos melhores, só pra ela, a bruxa rubra.
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