Abaixo
o Antigo, Viva o Novo!
Houve
um tempo em que éramos poucos. Tão poucos que não encheríamos um prédio de
condomínio, daqueles com só quatro andares, que não se vêem mais por aí. Agora,
se eu piscar, verei dois novatos entrando pelas portas de minha casa,
implorando ensinamentos antigos, que não são capazes de compreender. Eu bebo
raramente agora, minha idade me deu tanta força que não preciso me conter para
andar por entre os mortais. Sei que eles me sentem, um frio inconstante que me
impede de simular vida, mas o que eu faria, com tantos séculos, se ainda
andasse com trajes dos tempos de seus avós? Eu precisava me atualizar. E isso
foi o que os atraiu. Como poderiam menosprezar a chance de conhecer alguém tão
velho? Heh, velho, é claro.
Não
vou mentir. Seu fedor chegou a mim no instante em que o carro virou a esquina.
Vinham precavidos, refazendo o caminho que treinaram tantas vezes, para que não
fossem percebidos. Falharam, óbvio. Desceram do veículo e ouvi os passos
pesados. Ao menos um deles portava armas, o tilintar extremamente audível para
qualquer um com minha idade. Se me ameaçassem, tinham a vã esperança de me
causar algum dano antes de reagir. Talvez conseguissem, não luto há mais tempo
do que eles existem.
A
porta abriu, sem parcimônia, e eles entraram, demonstrando o mínimo de respeito
possível. Claro, para eles, cujos costumes eram mais bárbaros que o povo mais
selvagem de minha época, este era o certo, o "educado". Não queriam
me pertubar, para que eu não lhes desse a reprovação sem antes abrirem suas
bocas e falarem todas as besteiras que pensaram durante aquele mês. Prometi a
mim mesmo que lhes daria a chance. Quem sabe não doeria tanto, quem sabe não
seria como ouvir os bardos cantando sobre heroísmos que nunca existiram?
Poderiam até ter pesquisado sobre mim, e encontrado algumas daquelas anedotas
quase perdidas sobre o tempo.
Eram
dois, realmente, e tão díspares, um magrelo e uma mulher. Desconfio que
gostassem das mesmas coisas, visto que se trajavam de forma dissonante, ainda
que reveladora de suas almas. Os cabelos, ralos, dele, caíam sobre os olhos,
raspados ao lado da cabeça, passando do intenso negro para um vermelho
berrante. Suas roupas se resumiam a uma folgada camiseta bordô e uma calça
colada, que provavelmente era de couro. A maquiagem em seu rosto, banal nos
dias de hoje, era tão ou mais pesada que a da fêmea. De forma esguia e sensual,
ele tentava transperecer tanta feminilidade quanto ela, em seu vestido canudo,
com abertura no ventre para revelar a barriga bem construída e uma nesga da
lingerie preta. Os cabelos, curtos em corte Cleópatra, caíam leves logo acima
dos intensos olhos azuis. Seus lábios, vermelhos, quase tão convidativos quanto
os seios, apertados no topo do vestido tomara-que-caia. Definitivamente, duas
jóias raras, que poderiam me atrair e levar ao inferno pessoalmente.
A
voz que saiu do garoto não era o que esperava. Tinha um tom grave, com pequenas
desafinações, como no fim da adolescência: - Aí está você... Milorde. - A
bajulação soou fria, vazia, um gracejo pobre para convencer-me de devoção
inexistente. - Procuramos pelo senhor há tempos...
-
Não diga, asneiras, Todd. Ele sabe que não é verdade. - a voz dela, no entanto,
era bem o esperado, um arfar sensual, como se precisasse conter toda a sua
eroticidade em cada palavra.
Decidi
me abster de comentários, continuar apreciando o espetáculo. Esquadrinhei seus
perfis no escuro, imaginando se poderiam oferecer ao menos uma fração do perigo
que desejavam transmitir. Ela era a inteligente, claro. Ele, por outro lado,
era o esperto, o sobrevivente e sacrificaria tudo, inclusive ela, para sair
dali vivo. Resolvi jogar esse jogo.
-
Desculpe minha companheira, mestre. Ardell nunca aprendeu a ser digna diante de
um nobre. Mais ainda quando o nobre é tão importante quanto o senhor. - ele já
me deixava enfadado e pensei seriamente em cortar seu pescoço naquele momento.
Ela
bufou, compartilhando da minha falta de entusiasmo e me peguei pensando em como
uma garota tão esbelta poderia ter tanta falta de ar. Não com aqueles pulmões,
imagino. Já ele, tentava abertamente me chamar a atenção, dominar minha
vontade. Falhou completamente.
- Se
o mestre permitir, gostaríamos de um minuto do seu tempo. - me perguntei se ele
havia sido transformado por caridade ou brincadeira e que estúpido o fizera.
Finalmente
resolvi que seria bom me pronunciar, talvez conseguisse mandá-los embora.
Apesar de tudo, não gosto de matar aqueles da minha raça: - Você já está
gastando meu tempo, criança. Então seja rápido antes que a conta fique muito
cara.
As
reações, adversas, foram as melhores até aquele momento. Todd, como chamara a
garota, parecia estupidamente ofendido e fazia uma expressão perdida que talvez
lhe levasse ao erro fatal. Já ela, pela primeira vez, olhava diretamente para
mim, entretida com a forma como eu despachara os dois. O garoto procurou em
volta e diversas vezes conteve a mão que se dirigia para as costas,
provavelmente à procura da arma. Antes que voltasse a falar, me ergui de minha
poltrona e caminhei até eles. A mão enfim fez o percurso, mas não encontrou
coisa alguma. Seus olhos não poderiam crêr que eu realmente brincava com a
pistola, uma calibre .38 como viria a saber, procurando entender seu
funcionamento. A garota, Ardell pelo que ele tinha dito, colocava a mão suave
sobre os lábios, contendo o "Oh" de assombro. Joguei a arma por sobre
o ombro esquerdo e toquei o rosto do jovem, trazendo-o para perto do meu. Nossa
diferença de altura, eu dez centímetros maior que ele, no mínimo, sumiu assim
que ele se pôs nas pontas dos pés.
-
Não me dê motivos para achá-lo ainda mais irritante. Se nada tem a dizer,
aproveite que estou satisfeito com o presente de metal, e suma de minha
presença.
Soltei-o
e ele caiu de joelhos, chorando. Dei as costas, crente de que eles partiriam,
quando fui surpreendido pela garota. Ela utilizou tudo que tinha para conseguir
velocidade suficiente para surgir na minha frente. Sorria, nervosamente, e
passava um pirulito vermelho por entre os lábios, encarando-me com forte
admiração. Naquele momento, incoerentemente, eu que me tornei a presa.
Delicadamente me tocou o peito, apertando os dedos sobre a minha carne e arfou
profundamente.
-
Sabe o que queremos, não sabe? Já sabia assim que entramos em seus domínios.
Bom, eu estou disposta a me oferecer em troca de tudo que você puder me passar.
- ela provocou, mordiscando o pirulito com vontade.
Ergui
a sobrancelha, mantendo a aspereza na voz: - E o que me impediria de tirar de
você isso que tem a me dar? Acha que vale tão pouco o que EU tenho?
Ela
não respondeu, continuava com a malícia nos lábios e virou-se, caminhando e
rebolando, em direção ao caixão antigo que conservava em meu refúgio. Apoiou as
mãos nele, erguendo o traseiro e me observando por sobre os ombros.
- Nada
impede, porém, nada garanto que será tão bom quanto o que EU tenho para
sacrificar. Só quero... Um pouquinho de seu poder. - ela dizia, sua voz ainda
mais provocante.
Movimentei-me
para suas costas, apertando seu corpo ao meu, revelando quão pequeno era.
Comprimi sua cintura entre a minha e o caixão e cravei os dentes em seu pescoço
fino e macio. Eu havia lhes dado todas as chances. Se ela queria isso, teria.
Rasguei seu vestido sem pensar duas vezes, fazendo com que ela desse um
gritinho assustado. A expus completamente, satisfazendo-me com a visão de um
corpo perfeito, parte moldado com as facilidades dessa era moderna. Passei a
sugar o ralo sangue daquela criatura por tempo suficiente para eu mesmo estar
livre de roupas. Ouvi os gemidos dela passarem de dor para prazer e foi o que
dei a ela. Sabia que o rapaz ainda não havia fugido e decidi que se o que ele
queria era apreciar o que eu fazia com a sua amiguinha, deixaria que o fizesse.
Pressionei-a por muito tempo, até me sentir completamente agraciado com seu
corpo. Larguei-a, longe do meu caixão, e olhei de um para o outro. Havia bebido
o suficiente dela para que estivesse realmente renovado.
-
Agora, se nada mais tem a fazer. Por favor, abandonem meu... - uma pontada
estranha me fez olhar para meu peito.
Destoando
do resto de minha roupa, uma pequena estrela de prata adornava a região próxima
ao meu coração. De fato, a garota errara por centímetros. Se ainda não sentira,
era por causa do êxtase que ela me causara. Eu agora estava furioso. Os dois
não haviam percebido que falharam em seu plano e riam descordenadamente. Com
extrema raiva, eu agarrei a garota pelo pescoço, e como estava ainda exausta do
meu tratamento, foi fácil jogá-la para dentro de uma porta, um quarto anexo ao
meu. O garoto, lentamente entendendo o que acontecia, não escapou de um golpe
profundo, que o lançou pela janela. Eu moro no quinto andar de um prédio
antigo. É muito alto. Antes que ela se levantasse, eu a pressionei contra o
chão de madeira. Ainda não estava pronto para deixá-la morrer. Ainda não. Entre
gritos, eu a arrastei para dentro da sala escondida, trancando-a longe de
qualquer ajuda, e utilizei a estrela de prata para deixá-la imóvel. Ao que
parece, ganhei dois presentes nesta noite.
Venham a mim, crianças da noite! - ordena Drácula, imortalizado por Bela Lugosi. |
"Ao que parece, ganhei dois presentes nesta noite."
ResponderExcluirMelhor frase do conto =D
Sempre me perguntei como eram os nossos anciões na sua juventude.
Pense naquele vampiro confiante e com plena convicção dos seus poderes na sua juventude, vivendo em um mundo onde todos eram mais fortes do que ele.
Simplesmente, SIM. Este Ancião representa cada um dos vampiros ancestrais que os séculos fizeram muito bem, obrigado, e que vão tomar o caste... A... ... O loft dos vampiros novinhos que mal sabem virar morcego! XD
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