Sentei e fiquei quase meia hora digitando, colocando em uma página do Word exatamente a ideia que tive enquanto andava pelas ruas do Kobrasol fazendo tarefas que tinha pela manhã. E gostei muito do que saiu dessa confusão toda que ficou a minha cabeça. Criei um novo mundo, novas personas... e bem, um trio muito legal... Com vocês...
Trabalho dado é execução feita!
O passarinho pousou na beirada da janela respondendo ao
chamado, e ciscou as migalhas de pão deixadas ali. Parecia alegre, em contraste
com o clima naquele quarto do terceiro andar. Seus ocupantes olhavam nervosos
para a fachada de um edifício comercial no qual estava sendo decidido algum
acordo que levaria à falência um conjunto de empresas de pequeno porte atuantes
na cidade. Nenhuma das quatro pessoas naquele quarto queria isso.
- Ei, garoto, tem certeza de que isso dará certo? –
perguntou o contratante do serviço, puxando mais um trago de seu charuto fedido
– Eu paguei bem caro, se vocês falharem, esse cara vai ficar mais protegido que
o Templo de Salomão.
- Você nos pagará, devo lembrar, assim que o óbito for
confirmado. Não se preocupe, nossa cartilha exige que cumpramos todos os
objetivos assim como foi contratado. – tocou as próprias têmporas com as pontas
dos dedos e iniciou uma massagem suave – Agora não me atrapalhe, preciso me
concentrar.
O casal junto deles parecia calmo demais para que o gordo homem
de negócios ficasse realmente despreocupado. Era muito dinheiro, mais do que
imaginava, e apenas por uma bala. Ele não acreditara quando o trio chegara em
seu escritório e mostrara um rifle com apenas um cartucho engatilhado. “É o
necessário”, disseram eles “com isso poderíamos matar qualquer um nesta
cidade”. A arrogância desses pivetes o deixava com os nervos à flor da pele.
Pedira a eles um teste e então presenciara a coisa mais
estranha desde que virara chefe de uma quadrilha em Florianópolis: o mais velho
dos garotos, o tal Arquivo, leu a planta do prédio, ficou dez, quinze minutos
observando cada andar, a descrição das salas e da estrutura. E então tocara na
cabeça de Tela Mágica e este pegara um pincel atômico e começou a desenhar no
ar, como se houvesse uma lousa. Cada traço ficava estático, uma linha brilhante
que se tornou uma reprodução da planta. E então fez anotações.
Ele já se cagara com isso, até que uma das palavras que Tela
Mágica escreveu ficou vermelha e um círculo se formou abaixo dela, com outro
dentro e um ponto. Um alvo. Bala na Agulha simplesmente pegou seu rifle e saiu.
Cinco minutos depois um tiro atravessou uma pequena falha na parede e cravou-se
no meio de um retrato na parede da sala, exatamente entre os olhos. Não houve
mais questionamentos. Até agora.
Haviam pedido três dias, só três dias para ajeitar tudo. No
final do terceiro, enquanto Arquivo olhava mais uma vez para a entrada do
edifício comercial, ele virou-se e fez dois apontamentos em seu bloquinho de
notas. Entregou-as à Tela Mágica e virou-se para ele.
- Uma semana e a vítima estará morta.
Desde então haviam sumido. Desaparecido completamente. Ele
procurara, é verdade, mais para ter certeza de que não pensavam em partir sem
terminar o serviço. Não confiava em ninguém que não fosse chamado Humberto
Costa, ou seja, ele próprio, e até desconfiava dele mesmo às vezes. Tanto
fazia, pois os três pirralhos não foram encontrados. Na manhã daquele dia eles
bateram em sua porta e o convidaram para seguir com eles.
- Como o senhor havia pedido no contrato. – lembrou Arquivo.
Muito sombrio. Com exceção das vezes em que falaram com ele,
os três não pareciam conversar entre si, havia uma comunicação sem palavras,
aterrorizante. Tentou perguntar a eles de onde vieram seus truques, essas
magias do cacete que faziam. Recebeu olhares tremidos e uma resposta vaga:
- Ganhamos de presente.
O quarto que usavam agora fora alugado em seu nome, apesar
de ele nunca ter assinado qualquer coisa sobre isso. Não perguntou, o valor era
irrisório perto do pagamento que ia fazer, e ainda mais da bolada que levaria
com a morte do seu rival. Que ele pensasse em seus últimos segundos em todas as
cagadas que fizera e seu nome saltasse de uma memória distante. Filho da puta,
ele e seus capangas iam aprender.
- Então, garotos, estou esperando...
- Por isso que a gente geralmente não traz cliente. Sempre
dá essa merda. – comentou Tela Mágica, mas não falava pra ninguém em
específico.
- Porra, vamos ficar o dia todo...
- Quieto, senhor Costa, chegou a hora. – cortou-lhe Arquivo,
passando os dedos de sua testa para a de Tela Mágica.
O garoto mais novo pegou seu pincel atômico e começou a
desenhar no ar de novo, fazendo anotações aqui e ali, que Bala na Agulha lia
sem pressa. Seus olhos pareciam acompanhar cada mudança súbita quando Arquivo
gemia e de repente eram obrigados a trocar o foco da escrita. Enfim pegou sua
arma e começou a prepará-la, espantando o passarinho da janela.
Da rua vinham sons de carros, pessoas falando alto e os
típicos barulhos urbanos, deixando-os em meio a uma chuva cacofônica. O
silêncio da sala foi inundado de repente e tiveram que falar bem alto para
conseguirem se entender.
- Bala, mire exatamente onde Tela te mostrou.
- Você sabe que faço isso, Arquivo.
- É pro nosso cliente entender, Bala. – explicou Tela.
- O que... o que querem dizer com isso?
- Só observe, senhor. – respondeu Arquivo.
Bala na Agulha posicionou-se olhando pela mira da arma e
esperando. Os desenhos de Tela Mágica foram bem específicos, não erraria, mesmo
assim ficava nervosa quando tinha a arma em mãos. Odiava tirar vidas e isso
fazia seu estômago afundar um bocado. Encaixou a bala vermelha que Arquivo
pedira para separar e engatilhou. Estava tudo pronto. Só teria que esperar...
O homem no edifício se aproximou da janela e a abriu,
respirando um pouco de ar “puro” vindo de fora, um hábito que seria sua ruína.
No exato momento em que inspirava, uma bala atravessou o bolso de seu terno
indo parar em seu estômago. Um ferimento não fatal.
- Mas o quê... eu o quero morto! – gritou o senhor Costa já
puto da vida.
Em seguida aconteceu a coisa mais absurda. Do nada o terno
do alvejado começou a pegar fogo, o corpo sendo rapidamente absorvido por
chamas que explodiram exatamente onde a bala acertara. Estava morto em
segundos.
- O que... o que foi isso?
- Bala incendiária. – respondeu simplesmente Bala na Agulha.
- Arquivo percebeu que o alvo bebia constantemente e
guardava um cantil com uísque no bolso do paletó. Uma bala poderia matá-lo, mas
deixaria muitas evidências. Esse método foi mais sujo e mais eficiente.
Humberto Costa começou a rir, rir muito. Que espantoso! Os
garotos eram gênios do crime, tão letais quanto chacais! Não era de admirar que
custassem tanto. Seriam capazes de matar qualquer um na cidade, literalmente
com uma bala só por vez. Deus! Mas que merda!
- Além disso... você disse que ele era um homem baixo.
Mereceu a dor. – comentou Arquivo, olhando para a tela de sua tablet.
- Oh sim, oh sim! Agora ele vai arder no inferno e nunca
mais se meterá em meus negócios!
- Era tudo uma questão de dificuldades financeiras afinal,
não? – a voz de Arquivo soava pesada e muito incriminadora.
- E daí? Eu lhe disse, ele usava crianças para serviços
muito, muito ruins. – ele não conseguia parar de sorrir, rindo baixinho – Que
diferença faz se temos os mesmos princípios? Ele não vai poder pagar vocês para
não fazer o serviço.
- É, eu sei. – Arquivo levantou do nada e agarrou Humberto
pelo colarinho – Mas você, seu filho da puta, vai pagar tudo que nos deve por
isso! TUDO!
Os homens de Humberto surgiram da porta, todos carregando
pistolas de grosso calibre que apontaram para o trio. O negociante nem suava,
parecia tranquilo por finalmente ter resolvido seus problemas.
- Solte-me garoto. Vocês não querem morrer aqui. Sou um homem
de palavra, irei pagar sim. E não vou deixar seus corpos para que me rastreiem.
Na verdade, seria melhor irmos logo.
- Tem razão. – Arquivo bateu as mãos em suas pernas e
estendeu a direita para um cumprimento – Desculpe-me por isso, senhor Costa, eu
perdi a razão. Sem ressentimentos? – sorria amigavelmente.
- Claro, guri, claro. Sabe, posso precisar dos serviços de
vocês uma hora dessas.
Apenas Bala na Agulha e Tela Mágica notaram o súbito e
rápido brilho nos olhos dos dois quando suas mãos se encontraram. Ficaram
aliviados.
- Sim, senhor, é só nos ligar, se for possível.
Desceram para a rua rapidamente. Mesmo que o silenciador de
Bala na Agulha impedisse que fossem percebidos, ainda haveriam aqueles que iam
perceber algo de errado e procurar nos prédios próximos. Foram até o carro do
senhor Costa na rua de trás e se despediram.
- É um bonito carro, um Logan, não? – perguntou Arquivo
passando a mão na lataria do veículo.
- Sim, sim. Gosta de carros?
- Muito, são máquinas possantes... apesar de frágeis.
- Verdade, mas.. a partir de hoje estarei seguro. Obrigado,
meninos! Seu dinheiro estará na sua conta hoje mesmo!
- Tenho certeza de que sim, até mais, senhor Costa.
Assim que o carro partiu, seguindo a rua, Arquivo encostou
em Bala na Agulha e sussurrou em seu ouvido.
- Pistola, B12, logo abaixo da placa.
Seguindo perfeitamente as instruções, a garota sacou a arma
e deu um tiro com a bala escolhida, que se alojou exatamente na parte em que a
lataria abria espaço para caber o tanque de combustível. Eles já haviam se virado
quando o carro irrompeu em uma labareda, bem no meio da cidade. As pessoas na
rua não haviam reparado no disparo, mas agora gritavam com a destruição do
carro.
Arquivo digitava avidamente na tablet, fazendo as
transferências enquanto podia, antes que fossem paradas por algum grupo de
apoio. Tinha certeza de que ninguém saberia da ligação deles com o falecido
senhor Costa, mas precisava tratar de eliminar qualquer rastro também.
Desapareceram na esquina, como sempre faziam depois de um trabalho.
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