quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Enquanto andava por aí...

Admito que voltei a ficar relapso, mas não por ter nada a escrever, pelo contrário, acho que estou escrevendo muito mais do... eu já falei isso antes não? Memória curta, memória curta. Bem, também já disse que ás vezes a inspiração vem repentinamente, como um choque, que causa uma alteração em tudo que estou fazendo. Perco a vontade de seguir na minha atividade, de exercer uma função a qual estou dedicado e simplesmente quero escrever. Hoje cheguei em casa, pedi o notebook da Ann emprestado para que eu não pudesse me perder em distrações e escrevi.
Sentei e fiquei quase meia hora digitando, colocando em uma página do Word exatamente a ideia que tive enquanto andava pelas ruas do Kobrasol fazendo tarefas que tinha pela manhã. E gostei muito do que saiu dessa confusão toda que ficou a minha cabeça. Criei um novo mundo, novas personas... e bem, um trio muito legal... Com vocês...

Trabalho dado é execução feita!

O passarinho pousou na beirada da janela respondendo ao chamado, e ciscou as migalhas de pão deixadas ali. Parecia alegre, em contraste com o clima naquele quarto do terceiro andar. Seus ocupantes olhavam nervosos para a fachada de um edifício comercial no qual estava sendo decidido algum acordo que levaria à falência um conjunto de empresas de pequeno porte atuantes na cidade. Nenhuma das quatro pessoas naquele quarto queria isso.
- Ei, garoto, tem certeza de que isso dará certo? – perguntou o contratante do serviço, puxando mais um trago de seu charuto fedido – Eu paguei bem caro, se vocês falharem, esse cara vai ficar mais protegido que o Templo de Salomão.
- Você nos pagará, devo lembrar, assim que o óbito for confirmado. Não se preocupe, nossa cartilha exige que cumpramos todos os objetivos assim como foi contratado. – tocou as próprias têmporas com as pontas dos dedos e iniciou uma massagem suave – Agora não me atrapalhe, preciso me concentrar.
O casal junto deles parecia calmo demais para que o gordo homem de negócios ficasse realmente despreocupado. Era muito dinheiro, mais do que imaginava, e apenas por uma bala. Ele não acreditara quando o trio chegara em seu escritório e mostrara um rifle com apenas um cartucho engatilhado. “É o necessário”, disseram eles “com isso poderíamos matar qualquer um nesta cidade”. A arrogância desses pivetes o deixava com os nervos à flor da pele.
Pedira a eles um teste e então presenciara a coisa mais estranha desde que virara chefe de uma quadrilha em Florianópolis: o mais velho dos garotos, o tal Arquivo, leu a planta do prédio, ficou dez, quinze minutos observando cada andar, a descrição das salas e da estrutura. E então tocara na cabeça de Tela Mágica e este pegara um pincel atômico e começou a desenhar no ar, como se houvesse uma lousa. Cada traço ficava estático, uma linha brilhante que se tornou uma reprodução da planta. E então fez anotações.
Ele já se cagara com isso, até que uma das palavras que Tela Mágica escreveu ficou vermelha e um círculo se formou abaixo dela, com outro dentro e um ponto. Um alvo. Bala na Agulha simplesmente pegou seu rifle e saiu. Cinco minutos depois um tiro atravessou uma pequena falha na parede e cravou-se no meio de um retrato na parede da sala, exatamente entre os olhos. Não houve mais questionamentos. Até agora.
Haviam pedido três dias, só três dias para ajeitar tudo. No final do terceiro, enquanto Arquivo olhava mais uma vez para a entrada do edifício comercial, ele virou-se e fez dois apontamentos em seu bloquinho de notas. Entregou-as à Tela Mágica e virou-se para ele.
- Uma semana e a vítima estará morta.
Desde então haviam sumido. Desaparecido completamente. Ele procurara, é verdade, mais para ter certeza de que não pensavam em partir sem terminar o serviço. Não confiava em ninguém que não fosse chamado Humberto Costa, ou seja, ele próprio, e até desconfiava dele mesmo às vezes. Tanto fazia, pois os três pirralhos não foram encontrados. Na manhã daquele dia eles bateram em sua porta e o convidaram para seguir com eles.
- Como o senhor havia pedido no contrato. – lembrou Arquivo.
Muito sombrio. Com exceção das vezes em que falaram com ele, os três não pareciam conversar entre si, havia uma comunicação sem palavras, aterrorizante. Tentou perguntar a eles de onde vieram seus truques, essas magias do cacete que faziam. Recebeu olhares tremidos e uma resposta vaga:
- Ganhamos de presente.
O quarto que usavam agora fora alugado em seu nome, apesar de ele nunca ter assinado qualquer coisa sobre isso. Não perguntou, o valor era irrisório perto do pagamento que ia fazer, e ainda mais da bolada que levaria com a morte do seu rival. Que ele pensasse em seus últimos segundos em todas as cagadas que fizera e seu nome saltasse de uma memória distante. Filho da puta, ele e seus capangas iam aprender.
- Então, garotos, estou esperando...
- Por isso que a gente geralmente não traz cliente. Sempre dá essa merda. – comentou Tela Mágica, mas não falava pra ninguém em específico.
- Porra, vamos ficar o dia todo...
- Quieto, senhor Costa, chegou a hora. – cortou-lhe Arquivo, passando os dedos de sua testa para a de Tela Mágica.
O garoto mais novo pegou seu pincel atômico e começou a desenhar no ar de novo, fazendo anotações aqui e ali, que Bala na Agulha lia sem pressa. Seus olhos pareciam acompanhar cada mudança súbita quando Arquivo gemia e de repente eram obrigados a trocar o foco da escrita. Enfim pegou sua arma e começou a prepará-la, espantando o passarinho da janela.
Da rua vinham sons de carros, pessoas falando alto e os típicos barulhos urbanos, deixando-os em meio a uma chuva cacofônica. O silêncio da sala foi inundado de repente e tiveram que falar bem alto para conseguirem se entender.
- Bala, mire exatamente onde Tela te mostrou.
- Você sabe que faço isso, Arquivo.
- É pro nosso cliente entender, Bala. – explicou Tela.
- O que... o que querem dizer com isso?
- Só observe, senhor. – respondeu Arquivo.
Bala na Agulha posicionou-se olhando pela mira da arma e esperando. Os desenhos de Tela Mágica foram bem específicos, não erraria, mesmo assim ficava nervosa quando tinha a arma em mãos. Odiava tirar vidas e isso fazia seu estômago afundar um bocado. Encaixou a bala vermelha que Arquivo pedira para separar e engatilhou. Estava tudo pronto. Só teria que esperar...
O homem no edifício se aproximou da janela e a abriu, respirando um pouco de ar “puro” vindo de fora, um hábito que seria sua ruína. No exato momento em que inspirava, uma bala atravessou o bolso de seu terno indo parar em seu estômago. Um ferimento não fatal.
- Mas o quê... eu o quero morto! – gritou o senhor Costa já puto da vida.
Em seguida aconteceu a coisa mais absurda. Do nada o terno do alvejado começou a pegar fogo, o corpo sendo rapidamente absorvido por chamas que explodiram exatamente onde a bala acertara. Estava morto em segundos.
- O que... o que foi isso?
- Bala incendiária. – respondeu simplesmente Bala na Agulha.
- Arquivo percebeu que o alvo bebia constantemente e guardava um cantil com uísque no bolso do paletó. Uma bala poderia matá-lo, mas deixaria muitas evidências. Esse método foi mais sujo e mais eficiente.
Humberto Costa começou a rir, rir muito. Que espantoso! Os garotos eram gênios do crime, tão letais quanto chacais! Não era de admirar que custassem tanto. Seriam capazes de matar qualquer um na cidade, literalmente com uma bala só por vez. Deus! Mas que merda!
- Além disso... você disse que ele era um homem baixo. Mereceu a dor. – comentou Arquivo, olhando para a tela de sua tablet.
- Oh sim, oh sim! Agora ele vai arder no inferno e nunca mais se meterá em meus negócios!
- Era tudo uma questão de dificuldades financeiras afinal, não? – a voz de Arquivo soava pesada e muito incriminadora.
- E daí? Eu lhe disse, ele usava crianças para serviços muito, muito ruins. – ele não conseguia parar de sorrir, rindo baixinho – Que diferença faz se temos os mesmos princípios? Ele não vai poder pagar vocês para não fazer o serviço.
- É, eu sei. – Arquivo levantou do nada e agarrou Humberto pelo colarinho – Mas você, seu filho da puta, vai pagar tudo que nos deve por isso! TUDO!
Os homens de Humberto surgiram da porta, todos carregando pistolas de grosso calibre que apontaram para o trio. O negociante nem suava, parecia tranquilo por finalmente ter resolvido seus problemas.
- Solte-me garoto. Vocês não querem morrer aqui. Sou um homem de palavra, irei pagar sim. E não vou deixar seus corpos para que me rastreiem. Na verdade, seria melhor irmos logo.
- Tem razão. – Arquivo bateu as mãos em suas pernas e estendeu a direita para um cumprimento – Desculpe-me por isso, senhor Costa, eu perdi a razão. Sem ressentimentos? – sorria amigavelmente.
- Claro, guri, claro. Sabe, posso precisar dos serviços de vocês uma hora dessas.
Apenas Bala na Agulha e Tela Mágica notaram o súbito e rápido brilho nos olhos dos dois quando suas mãos se encontraram. Ficaram aliviados.
- Sim, senhor, é só nos ligar, se for possível.
Desceram para a rua rapidamente. Mesmo que o silenciador de Bala na Agulha impedisse que fossem percebidos, ainda haveriam aqueles que iam perceber algo de errado e procurar nos prédios próximos. Foram até o carro do senhor Costa na rua de trás e se despediram.
- É um bonito carro, um Logan, não? – perguntou Arquivo passando a mão na lataria do veículo.
- Sim, sim. Gosta de carros?
- Muito, são máquinas possantes... apesar de frágeis.
- Verdade, mas.. a partir de hoje estarei seguro. Obrigado, meninos! Seu dinheiro estará na sua conta hoje mesmo!
- Tenho certeza de que sim, até mais, senhor Costa.
Assim que o carro partiu, seguindo a rua, Arquivo encostou em Bala na Agulha e sussurrou em seu ouvido.
- Pistola, B12, logo abaixo da placa.
Seguindo perfeitamente as instruções, a garota sacou a arma e deu um tiro com a bala escolhida, que se alojou exatamente na parte em que a lataria abria espaço para caber o tanque de combustível. Eles já haviam se virado quando o carro irrompeu em uma labareda, bem no meio da cidade. As pessoas na rua não haviam reparado no disparo, mas agora gritavam com a destruição do carro.

Arquivo digitava avidamente na tablet, fazendo as transferências enquanto podia, antes que fossem paradas por algum grupo de apoio. Tinha certeza de que ninguém saberia da ligação deles com o falecido senhor Costa, mas precisava tratar de eliminar qualquer rastro também. Desapareceram na esquina, como sempre faziam depois de um trabalho.

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