quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Noite das Bruxas

Antes que perguntem, não, não estou fantasiado de fantasma escritor, eu realmente estou de volta. Passei por um longo período em que não consegui me concentrar em escrever, revisar e mandar pra cá meus textos, mesmo aqueles mais antigos. Em compensação, consegui muitas novidades. Estou escrevendo para a NeoTokyo agora, e saiu uma matéria minha na edição 91. Sobre o quê? Bom, sobre Great Teacher Onizuka, versão dorama. Acreditem foi muito bom escrever e espero que gostem.
Também estou de emprego novo, a começar na terça-feira agora, dia 5. Vou trabalhar na ComDado Revistaria, no Kobrasol, uma loja de card games bem legal comandada pelo Rafa Barcelos. Quem quiser dar um pulo lá pra ver os produtos, conhecer o local ou jogar alguma coisa, estarei toda segunda à sexta lá pela manhã até umas cinco horas!
E pra completar minha volta, uma série nova de textos, meio a ver com a data, baseada no cenário que eu criei para Vampiro a Máscara. Casualmente criarei mini-histórias de personagens meus envolvendo outros PNJ's (Personagens Não Jogadores) e até alguns PJ's quando eu tiver como. No caso de hoje... Todo mundo tem que fazer relatórios, até mesmo os mais confiantes e responsáveis. Mas... E quando tem que relatar algo bem ruim? Vejam por si mesmos.

Audiência com o Demônio



As portas do elevador se abriram, revelando o saguão de piso de mármore. Uma única mesa esperava por ele, e duas portas duplas de mogno escuro o separavam do seu objetivo, a reunião que não queria ter, mas precisava. Dois olhos azuis o fitaram detrás da escrivaninha, e um homem de cabelos tão negros quanto a noite e sorriso contido o cumprimentou com um meneio singelo, quase como se quisesse se ocultar da pessoa na sala fechada. Uma rápida troca de gestos e os dois se entenderam, o chefe estava furioso.
Percorreu o espaço até a maçaneta com passos rápidos e duros, parou para inspirar o ar desnecessariamente, e então forçou a entrada. O homem estava lá, de pé, observando sua cidade pela parede de vidro. Nenhum movimento, nem uma palavra para dizer que entrasse e fechasse a porta. Ele já sabia disso, era o costume, e quebrá-lo é que seria estranho. Postou-se aos pés dos três degraus que separavam o platô onde a cadeira do patrão repousava. Em silêncio o homem de terno rubro postou-se a frente dele. Mesmo que não houvesse diferença de altura, era óbvio que o mais poderoso entre eles não poderia olhar nos olhos o mais fraco. Ele não iria discordar da obviedade.
- Você falhou comigo mais uma vez. – as palavras soaram pesadas como chumbo e o fizeram baixar ainda mais a cabeça, encarando os detalhes dos degraus.
- Senhor, eu...
- Sem desculpas. Quero um relatório completo. Se mentir, saberei, então esteja ciente, é sua única chance de se retratar.
Suspirou, soltando um som engraçado pela falta de ar nos pulmões. Estar morto deveria parecer o suficiente, não importa a situação. No entanto, é claro que “morte final” poderia ser bem pior. Tantas obrigações, tanto a fazer, e a qualquer momento acabaria deixando tudo para trás e embarcando numa viagem só de ida para o Inferno. Escolheu bem o que dizer.
- Bem, como começar...
...
A noite começou particularmente calma para uma quarta-feira. Normalmente o meio da semana poderia ser irritantemente barulhento, considerando que era o dia em que todos os neófitos decidiam ir para as ruas caçar para estarem prontos para o fim de semana. Uma rotina idiota criada pelas primeiras crias dos anciões quando chegaram à cidade. Logo, era impossível que ninguém estivesse se preparando para aprontar alguma coisa, então parti em ronda, passando pelos principais pontos de encontro.
Depois de mais de duas horas de passeio, acreditei que realmente era um daqueles dias milagrosos em que as pessoas sem combinar acabaram fazendo algo em comum e que poderia partir para as MINHAS tarefas. O senhor sabe, aquelas que não envolvam meus deveres para com a seita. E é claro, foi exatamente aí que as coisas deram errado.
Eu peguei um idiota perseguindo um grupo de baderneiros, tão magrelos que poderiam ser levados pelo vento caso fosse a temporada. Sinceramente, eu já vi gente recém-criada mais esperta do que ele. De longe dava pra avistar que os moleques, mesmo sendo tão fraquinhos, estavam armados e em número muito maior. Tudo bem que ele poderia ser rápido e forte, talvez fosse do clã certo, porém duvido que ele tivesse a capacidade de dar cabo de todos eles sem chamar a atenção, então resolvi seguir. Meu primeiro erro foi aí, senhor, pois em nenhum momento pensei que poderia ter algo bem mais errado na situação.
Eles continuaram andando por mais umas três quadras, com o babaca na retaguarda, seguindo abertamente o grupo. Eu juro, senhor, que se ele estivesse com os dentes à mostra e os olhos vermelhos não dava para parecer mais culpado. Depois que eles entraram em um estacionamento fechado, saltando a cerca, ele foi atrás e aí estava meu segundo erro. Eu deveria ter pensado em uma abordagem que não envolvesse jogar o cara na parede e estapeá-lo, antes ou depois de ele apanhar e eu ter de salvá-lo.
O estacionamento era enorme, provavelmente por conta do clube ao lado, mas esta noite não tinha eventos para que ele estivesse aberto e dava espaço para aqueles moleques invadirem lá e pensarem em usar alguma droga, beber ou praticar que espécie de ato ilícito eles quisessem. É, eu sei, mas a noite estava tão calma que não passou pela minha cabeça que isso era ainda mais suspeito do que o cara seguindo eles sozinho. Dá um desconto... Digo, me perdoe, senhor, eu sei que ferrei com tudo. Ainda piora.
Quando eu localizei o cara, ele estava observando o grupo de trás da guarita, exposto como um lagarto tomando banho de sol. Péssima comparação, aliás, porque eu finalmente notei que parte da pele dele parecia descamar. Apesar de tudo, o novato era um dos feiosos, então nada do que ele estava fazendo tinha sentido. E sim, foi aí que percebi que as coisas não estavam se encaixando. Parei onde estava e olhei em volta rapidamente. O grupo tinha sumido e o cara agora me encarava. Lugar grande, céu aberto, grandes chances de estar cercado de atiradores e a única arma que eu tinha só devia ter doze balas. O que queria dizer que eu precisava contar com o que tirasse de cada um deles depois de derrubá-los.
Consegui achar os cinco “mortais” nas minhas costas. Eles deviam ser rápidos ou eu estava muito lerdo, não importava. Eram seis alvos ao todo e ao menos um deles tinha disciplinas para usar contra mim. Achei melhor deixar para usar a pistola direto nos miolos de cada um deles. Esperei que alguém se mexesse, qualquer um, para que eu tivesse a vantagem dos movimentos, mas eles esperavam pacientemente como hienas, loucos para tirar o meu sangue. E só então eu entendi. Eles eram viciados, do tipo que deve ter provado nossa vitae alguma vez, por conta de algum imbecil e agora se juntavam a fornecedores que armavam para nós e tiravam uma grana com isso.
Por isso tão magros, os viciados deviam se alimentar só da gente, e vez por outra lembravam de que deviam comer, quase sempre morrendo antes disso. Cheguei a sentir pena por... Uns dois segundos. E então cansei de esperar e ataquei. Ia acabar com o vampiro que havia me metido naquilo, talvez dando uma lição nos pirralhos. Acho que ele não imaginava que eu ia ter coragem ou talvez pensou que na vantagem numérica eu ia atacar os outros primeiro. Sei que eles também cometeram dois erros: Eu não sou qualquer um, sou o cara que coloca a ordem nessa cidade... A serviço do senhor, é claro. E sou bom no que faço.
O segurei pelo pescoço e o pressionei contra a guarita. Ele perdeu a noção do que estava acontecendo por um tempinho, o suficiente para que eu forçasse a cabeça dele janela adentro, quebrando o vidro. Com outro movimento usei o que havia restado da janela e cravei no pescoço dele, fazendo a cabeça rolar para a cadeira e ensanguentando tudo na guarita. Sim, foi precipitado e o tipo de coisa que eu não deveria fazer. Mas teve o efeito desejado, senhor. Os garotos se borraram de medo, literalmente.
Não precisei da pistola. Cheguei entre dois deles antes que pudessem pensar em fugir. Joguei um contra o outro, amassando seus crânios. Quebrei o pescoço de mais um próximo e encarei os dois últimos que finalmente saíram correndo. Admito que queria isso, queria a adrenalina de me jogar em cima deles, caçá-los como gazelas. Estava ficando com fome e a raiva havia subido pelas veias, liberando parte da besta em mim. Joguei um deles no chão, com certeza cravando asfalto em seus miolos e abocanhei a garganta do último. Houve algo de ironia nisso, já que peguei de volta o que eles estavam roubando. Tudo bem, não foi engraçado.
Encarei todo o estrago, e poderia ter sido pior, senhor, juro. Foi um trabalho rápido, quase sem fazer barulho, e com certeza não havia nenhuma testemunha. Minha equipe chegou em questão de minutos para limpar a bagunça. Eu ainda consegui uma forma de justificar a guarita destruída (que eu tive que arrancar para não limpar o sangue) com o roubo do único carro parado lá, provavelmente um pobre coitado dum mensalista. Fiz o melhor que podia pra transformar tudo em algo produtivo.
...
Ainda sem olhar para seu mestre, o xerife engoliu em seco, outro ato falho de sua mortalidade insistente. Como vampiro, nunca precisava demonstrar cansaço ou nervosismo, no entanto, sua natureza não o deixava desacostumar. Pelas sombras, percebeu que o príncipe se recolhera à cadeira e aguardava sua atenção. Levantou devagar a cabeça e o encontrou encarando com um ar maligno. Viria uma bomba ali.
- Compreende que você mais uma vez causou mais danos do que o necessário e que em breve acabará por falir esta unidade?
- Sim, senhor, eu lamento por tudo, senhor, mas eu posso pagar...
- A questão não é de quem arcará com os gastos, e sim, eles serão seus, mas do princípio de suas atividades. Você se gaba de ser bom, e ainda assim é incapaz de dar conta de reles mortais sem tornar isso algo comparável ao que aquela outra seita faz, e por diversão. Se continuar assim, me parecerá uma propaganda, e você sabe o quanto detesto este pensamento.
Ah, é óbvio que sim. Nunca partilhara da mesma ideia de seita que seu senhor, e odiava pensar que tinha que seguir as regras dele só porque a hierarquia milenar o mandava. Porém, se saísse dizendo isso, sua cabeça estaria em uma bandeja de prata antes que pudesse dizer “Caçada de Sangue”. Quem sabe não seria agora que testaria essa teoria?
- Não vou lhe punir como deveria, Takashi, porque detesto pensar que perderia tempo e um funcionário, quem sabe, valoroso com isso. Não. Vou lhe dar algo que vai detestar mais ainda: Uma tarefa especial.
Conhecia aquela expressão, sempre indicava algo pior do que a morte final, o tipo de coisa que te faria desejar ter a cabeça arrancada, se banhar no sol do meio dia ou tomar um banho de água benta.
- Você terá que cuidar de receber nossos visitantes em breve, na próxima lua cheia, e tratá-los com cortesia, além de levá-los para onde quiserem enquanto preparamos a recepção em nosso salão de festas.
- Como o senhor desejar, meu príncipe... Mas... A próxima lua cheia não é amanhã?
O soberano inclinou-se um pouco para ficar mais perto do xerife.
- Exato. E os visitantes são a corte de São Paulo.
Sem querer, Takashi engoliu em seco mais uma vez. Marcos, seu príncipe, não fora misericordioso, ele realmente lhe condenara à morte final. Se havia alguém que gostaria de matá-lo, este era o príncipe da maior capital dos vampiros no país. E pensar que tudo havia começado tão bem naquela noite. Sem dizer mais nada, fez uma reverência e saiu, deixando para trás um monarca orgulhoso de como fora inteligente na sua escolha. Ouviu ainda ele dizer antes das portas fecharem:
- Ninguém falha comigo tantas vezes e sai impune.